05/06/2007

O uso de αναστρέφω / αναστροφη na 1 Pedro

Nesta carta encontramos o uso na forma verbal e na forma substantivada. A primeira imagem usada por Pedro é a metáfora dos salvos como a família que tem Deus por Pai. Aqui podemos englobar a passagem de 1,3.15. Esta imagem foca-se no pai que dá um novo nascimento aos seus filhos. Há aqui dois elementos interessantes de notar. Em primeiro lugar é o pai e não a mãe que dá a vida, e depois não se trata de um nascimento natural mas de uma nova forma de nascer. Depois o autor desenvolve esta metáfora usando as imagens da maternidade física. De qualquer forma há aqui uma intertextualidade com o salmo 34.
A segunda metáfora usada para falar de salvação é a pertença à família de Deus, resgatados com o sangue precioso de Cristo. São as passagens de 1,17.18.23. No versículo 17 é a imagem de pertencer a uma casa (οικος), embora alguns autores não atribuíam um valor salvifico a esta passagem (F. Resenbug). Esta metáfora usa a imagem dos escravos que foram resgatados por um novo Senhor para a sua casa. Esta imagem pode ser associada a Is 52,3
As passagens 2,12; 3,1.2.16 parecem ir mais no sentido usado por Tiago, ao relacionarem-se com as formas concretas de agir. Aqueles que foram resgatados têm um modelo, Cristo, que deve servir de paradigma para as acções dos cristãos no meio dos pagãos (2,12) ou na vida familiar de forma a que pelo testemunho da vida familiar as mulheres possam conquistar os seus maridos para a fé cristã (3,1.2). É pela força da dos sofrimentos que a fé pode ser anunciada e servir para confundir os inimigos (3,16).

αναστροφη na carta de Tiago

O uso de αναστροφη na carta de Tiago ocorre no contexto do tema da sabedoria. A boa conduta é o resultado visível de quem age guiado pela modéstia e a sensatez. Esta temática podemos relacioná-la com o tema tão caro à carta de Tiago, a fé e as obras. Uma das criticas frequentes a Tiago é ao lugar que ele dá às obras, quando o paradigma dominante no cristianismo foi dado à fé para alcançar a salvação. A questão é que Tiago não está interessado em fazer uma cristologia ou escatologia, mas dar indicações práticas aos seus leitores. A reflexão teológica acerca da cristologia ou da escatologia implícita na Carta de Tiago esse é uma reflexão para a posteriori.
Uma comunidade marcada pela sabedoria prática e pela perfeição, não tem muito espaço para as formulações teóricas acerca da fé, embora este termo seja central em Tiago pois aparece 16 vezes e outras 3 na forma verbal.
A salvação em Tiago é ter uma fé perfeita através de uma vida sábia. A salvação acontece quando a fé é ilustrada com obras. A fé sem mais não tem valor pois foi esse o problema de Israel (Tg 3,20-24).

Palavra αναστρέφω / αναστροφη

Esta palavra que pode ser traduzida por conduta, forma de viver ou proceder. Na sua forma verbal podemos traduzir por ser regenerado, salvo
É usada uma vez na carta de Tiago em 3,13 como substantivo.
Na primeira de Pedro esta palavra é usada nove vezes:
Na forma verbal em 1Pe 1,3; 1Pe 1,17 e 1Pe 1,23.
Na forma substantivada em 1Pe1,15 ;1Pe 1,18;1Pe 2,12;1Pe 3,1;1Pe 3,2;1Pe 3,16.

A escolha desta palavra procura responder à questão de como acontece a salvação em Tiago e na 1 Pedro

04/06/2007

Fogo


'KOSMOS' NA 1ª CARTA DE PEDRO

A palavra ‘kosmos’ aparece três vezes em I Pedro. Em dois casos (1, 20 e 5, 9) assume o sentido de mundo e num outro (3, 3) o sentido de ‘adorno’. Se na carta de Tiago o campo semântico definido pelo termo é negativo, na primeira de Pedro ele assume um sentido mais amplo, e não necessariamente contrário à ordem divina, onde se adere ao bem ou ao mal (o próprio facto de ‘kosmos’ surgir com o sentido de adorno em 3,3 expressa esta dicotomia; o sentido da palavra ‘kosmos’ em Pedro aproxima-se daquele de ‘géh’, isto é terra, em Tg 5, 12). É neste mundo que os cristãos são chamados a rejeitarem a sua ignorância anterior (1, 14) e a serem santos como Deus é Santo (1, 15-16), participando, como pedras vivas, na construção da «casa espiritual» que tem Jesus Cristo como «pedra angular» (2, 4-8). Daí que seja exigido aos eleitos de Deus a vivência da santidade em todas as dimensões do mundo, não só a nível cultual, mas no próprio quotidiano – em 2, 13-3, 7 o autor da carta apresenta um código doméstico, que é expressão deste facto. O principal elemento da vida cristã no mundo passa pela aceitação da remissão dada por Jesus Cristo, pela obediência a este (1, 2). E o sofrimento de cada fiel deve ser configurado ao sofrimento de Cristo (5, 1), na lembrança de que este mundo é temporário e que outro tempo virá, logo o sofrimento acabará (5, 10). Quer isto dizer que o mundo, ainda que cenário de opressão e sofrimento, é acima de tudo espaço de libertação por Jesus Cristo.

Sic transit gloria mundi.

Tradicionalmente era uma expressão que se utilizava na coroação de um Papa, interrompida por um monge que queimava um pedaço de estopa e depois de queimada dizia: "Pater sancte, sic transit gloria mundi." Isto servia para lembrar ao Papa não deixava de ser mortal, apesar da grandeza da cerimónia e da longa história do seu ofício. Toda a sumptuosidade e grandiosidade das cerimónias pontifícias passavam.

Porquê isto? A ambição e o poder que muitas vezes podemos ter mesmo sobre os outros sempre foram uma tentação na Igreja. Muitas vezes pensamos que somos eternos e por estarmos bem temos poder sobre tudo. Tornamo-nos auto-suficientes.

Poderíamos dizer que até a própria celebração de coroação do Papa tem presente uma passagem de Isaías que Tiago e a Primeira de Pedro também vão trazer aos seus escritos para ajudar à reflexão das comunidades cristãs primitivas. Mas isto será objecto duma próxima reflexão.

Rico na carta de Tiago, Riqueza na de 1 Pedro.

A palavra rica e todo o seu campo semântico como tenho vindo a tentar partilhar são muito importante no conjunto desta carta. Sem querer estar a repetir o que já disse e a querer comparar com a carta de Pedro, observamos aqui uma clara condenação dos ricos, e temos juízos definidos. Em Tiago vemos que há um claro objectivo de chegar a figura do rico e de o condenar, o pobre salva-se simplesmente por ser pobre. Observamos que o própria carta é uma exortação também há justiça que deve de haver numa relação de chefe e trabalhador. Aquele que priva o irmão do que lhe é devido Deus será justo para com ele. Embora seja um ambiente condenatório a carta de Tiago tinha de ter esta referência aos ricos e a riqueza, porque há ricos que não são cristãos, há ricos que se convertem ao cristianismo e também porque há cristãos que estão a ficar ricos. Não podemos continuar a pensar que os cristãos eram simplesmente um grupo de pobres.

Se em Tiago se condena constantemente o rico na de 1 Pedro só temos presente quando fala na mulher que se adorna exteriormente e não interiormente, (1Pe 3, 3-4) isto porque na 1ª de Pedro a riqueza é outra, mas isso partilharei numa próxima reflexão.

Rico = Sofrimento

Numa partilha e meditação pessoal, se olharmos para a 1ª carta de Pedro diríamos que ele, de certa forma, não condena o rico. O grande tema nesta carta acaba por ser o sofrimento, a submissão. Não deixando de parte Tiago 2,5, “Deus escolheu os pobres deste mundo para possuírem os bens do céu.” Em 1 Pedro só falamos do pobre, do sofrimento em que o pobre vive, mas na medida em que sofre se configura com Jesus, com os seus sofrimentos, com a sua Paixão. Então este sofrimento que nos fala a carta de Pedro deixa de ser uma penitência, mas um caminho para a verdadeira riqueza, não desresponsabilizando. O verdadeiro tesouro já se prepara neste mundo embora não seja deste mundo. Se em Tiago falamos da riqueza dos ricos, seja para condenar ou não, na 1ª de Pedro falamos da Riqueza dos pobres.

Isaías, Tiago e 1ª Pedro…

Começando por Isaías 40, 6-8 “… Toda a carne é erva e toda a sua graça como flor do campo. Seca a erva e murcha a flor quando o vento de Iahweh sopra sobre elas…” / Tiago 1,9-11/ 1ª Pedro 1, 24-25. Com alguma diferença em algum caso gramatical estas duas cartas vão ambas a Isaías buscar esta ideia utilizada através de uma linguagem simbólica muito rica também pela carga da imagem que as palavras assumem. Mas tal como disse, por mais bonita que sejam estas imagens, a erva que existe no campo, as flores que nos despertam o olhar, que nos fascinam, não deixam de ser passageiras. É preciso ter bem presente que Iahweh tem poder sobre estas coisas, e estas coisas que eram bonitas que pareciam tudo passam, morrem mas Deus continua.

Gamaliel uma presença ausente…

Tentando responder aos comentários que me fizeram concordo como é verdade que não encontramos referência nas cartas de Paulo a Gamaliel e se foi tão importante porque não falou mais sobre ele. Contudo também não podemos negar por completo a ausência dos estudos que Paulo teve na escola de Gamaliel, os métodos da exegese rabínica na qual Paulo era mestre, por ter frequentado a escola de Gamaliel, assim como a linguagem utilizada por Paulo, própria de um semita.

Contudo na reflexão pessoal e com alguns colegas em debate chegamos a questionar que interesse teria fazer referência a uma escola quando as comunidades estavam com problemas internos? Que impacto teria este escola por exemplo na comunidade de Tessalônica ou de Filipos? Ou mesmo de Roma?

A escola é importante, mas tem num contexto religioso, cultural e espacial próprios. Que impacto é que poderia ter para as comunidades para que escreve. Os próprios problemas destas comunidades são novos, muitos sem referência farisaica.

Considero assim que a simples referência à escola de Gamaliel é mais um indicativo para nos dar a conhecer a maneira como Paulo é, devido à escola onde se formou. Indirectamente a escola de Gamaliel passa para as comunidades através de Paulo e das suas Cartas, a escola está no próprio sujeito, ou seja Paulo.

A pobreza que enriquece e a riqueza que condena…

Escolhi para estudo a palavra rico/os, plousioz, plousioi que se encontra na Carta de Tiago. O problema social que se faz notar na carta leva Tiago a meter o dedo na ferida e a falar directamente dos problemas que surgem. É importante observarmos que não há uma condenação por se ser rico mas sim por não se fazer bom uso da riqueza. Mais recentemente D. António dos Reis Rodrigues no seu livro Sobre o Uso da riqueza diz-nos: “libertos os pobres da pobreza, acentuamos, e também libertos os ricos da riqueza” (p. 78).

Em comparação com a Primeira Carta de Pedro vemos que nesta não temos uma única utilização da palavra rico, ou mesmo riqueza, enquanto que em Tiago abundam as chamadas de atenção aos ricos e sobre a riqueza. Será que a comunidade a quem Tiago escreve caiu mais no pecado do luxo enquanto que os objectivos de Pedro ao escrever são outros? Contudo Pedro (1 Pe 3, 3-4) não deixa de chamar a atenção para os exagerados adornos exteriores que as mulheres usavam, devendo antes adornar-se interiormente.

A reflexão sobre os ricos e a riqueza em Tiago e na Primeira Carta de Pedro têm algo em comum muito importante, que é a referência mútua ao mesmo texto vetero-testamentário que analisaremos numa próxima reflexão.

Campo semântico de rico…

Tg 2,6

umeiV de htimasate ton ptwcon. ouc oi plousioi katadunasteuousin umwn, kai autoi elkousin umaV eiV krithria;

Tg 5,1

age nun oi plousioi, klausate ololuzonteV epi taiV talaipwriaiV umwn taiV epercomenaiV.

Tg 1,10

o de plousioV en th tapeinwsei autou, oti wV anqoV cortou pareleusetai.

Tg 1,11

aneteilen gar o hlioV sun tw kauswni kai exhranen ton corton, kai to anqoV autou exepesen kai h euprepeia tou proswpou autou apwleto: outwV kai o plousioV en taiV poreiaiV autou maranqhsetai.

Tg 2,5

akousate, adelfoi mou agaphtoi. ouc o qeoV exelexato touV ptwcouV tw kosmw plousiouV en pistei kai klhronomouV thV basileiaV hV ephggeilato toiV agapwsin auton;

O CAMPO SEMÂNTICO DA PALAVRA HUMILDADE

O uso da palavra “humildade” na primeira carta de Pedro mostra um grande conhecimento do autor acerca das Escrituras. Isto porque a palavra “humildade” e as suas diversas formas formam um vasto campo semântico nas Escrituras.
O Antigo Testamento fala muitas vezes em humilhar no sentido de oprimir, derrotar, abusar. Todas as situações de aflição, como sejam doenças, guerras, fracassos, má fama e perseguições são situações humilhantes. Neste estado de abatimento é que nasce a virtude de humildade daquele que na sua depressão se submete a Deus e continua a implorar o seu auxílio. Então, a exortação à humildade, feita aos cristãos, pode-se entender aqui como uma virtude. A virtude daquele que é consciente da sua pequenez perante a grandeza de Deus; daquele que deposita a sua total confiança a Deus perante as adversidades. Deus zomba dos zombadores, mas aos humildes Ele dá os seus favores (Prov 3, 34). Na hora que ele sabe, Deus humilhará o soberbo (Is 26, 5; Sl 18, 28; 107, 41) e consolará o humilde (Is 49, 13).
Em Lc 1, 48 Maria disse que Deus olhou para a humildade de sua serva (como a mãe de Samuel em 1 Sam 1, 11). Em Lc 1, 52 Maria formula a profunda convicção dos humildes: Deus exalta os humildes e humilha os soberbos. Esta convicção também é referida na primeira carta de Pedro e noutras passagens do Novo Testamento (Mt 23, 12; Lc 14, 11; Tg 4, 10; 1 Pe 5, 6). Conforme Mt 21, 5, Cristo cumpriu, na sua entrada em Jerusalém, a palavra de Zac 9, 9 sobre o Messias humilde. Chamou-se a si mesmo “manso e humilde de coração” (Mt 11, 29), o primeiro dos humildes. Tomou sobre si a humilhação da paixão e da morte na cruz (Fil 2, 8), na situação humilhada do nosso corpo (Fil 3, 21). Segundo o exemplo de Cristo, a humildade deve-se manifestar não apenas para com Deus, mas também em benefício do próximo (Fil 2, 3; Col 3, 12; 1 Pe 3, 8; 5, 5).

A palavra "HUMILDADE"

A palavra que escolhi foi “humildade”. Aparece 4 vezes na Carta de Tiago e também 4 vezes na 1 Pedro, na forma de substantivo, de adjectivo ou de verbo.
Ambas as Cartas citam o Livro dos Provérbios: “Deus opõe-se aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes”- Pr3, 34 , revelando assim, o seu espírito sapiencial.
Também ambas as Cartas exortam os destinatários a humilhar-se na presença do Senhor, para que Ele os exalte – Tg4,10 e 1Pe5,6. Este é um tema muito presente na literatura bíblica tanto do Antigo como do Novo Testamento.
À primeira vista, e até pelo número de vezes que é citada, esta palavra não parece ter muita importância em qualquer das Cartas referidas, mas penso que é importante nas duas: em Tiago está por detrás das exortações que ele faz aos ricos para que evitem a presunção, pois o rico, diz ele, “passará como a flor da erva”, que seca e cai;
Na 1 Pedro parece-me que o seu campo semântico é alargado, já que o autor exorta à submissão a toda a instituição humana, por amor do Senhor (1Pe2,13), das mulheres aos maridos (1Pe3,1) e dos jovens aos presbíteros (1Pe5,5). Esta submissão, penso que pode pertencer ao campo semântico da palavra “humildade”, já que a 1 Pedro fala de uma submissão por amor, que também está ligada à obediência, mas que não pode deixar de se aliar à humildade. Aquele que não é verdadeiramente humilde, parece-me que não poderá vir a ser submisso, neste sentido a que a 1 Pe convida.
Aletheia (verdade)

  • Tg 1, 18 - Por sua livre decisão, nos gerou com a palavra da verdade, para sermos como que as primícias das suas criaturas.

A palavra da verdade é o anúncio do Evangelho. Encontramos paralelo em 2Corintios 6, 7; em Efésios 1, 13; e em 2Timótio 2, 15;

  • Tg 3, 14 - Mas, se tendes no vosso coração uma inveja amarga e um espírito dado a contendas, não vos vanglorieis nem falseeis a verdade.
  • Tg 5, 19 - Meus irmãos, se algum de vós se extravia da verdade e alguém o converte…
  • 1Pe 1, 22 - Já que purificastes as vossas almas pela obediência à verdade que leva a um sincero amor fraterno, amai-vos intensamente uns aos outros do fundo do coração.

Aqui, o amor fraterno aparece como consequência de se ter purificado pela obediência à verdade, ou seja a palavra de Deus. Esta constitui o ponto de partida do nosso renascimento divino e nos dá a possibilidade de agir acordo com a vontade de Deus porque ela é dotada de poder.

Ananias e Safira em paralelo com Acã

(Actos dos apóstolos 5, 1-6 ; josué 7, 1-26)

A prática de Ananias e Safira assemelha-se à de Acã em Josué 7. O patriarca do Antigo Testamento tomou bens condenados, porque pertencentes a um povo inimigo. O casal do Novo Testamento tomou dinheiro abençoado, porque voluntariamente separado para o bem da comunidade cristã em Jerusalém.

Recordemos Acã: Deus tinha instruído Josué para que nenhum dos bens dos habitantes de Hai se tornasse propriedade dos filhos de Israel. Quem procedesse desse modo seria considerado anátema (Js 6, 17). Então, o povo saiu para a guerra, e começou a perder. Josué voltou-se para Deus, e perguntou o motivo da derrota. O Senhor respondeu-lhe dizendo que o povo havia roubado os habitantes de Hai (Js 7, 11-12). Disse Deus a Josué: «Levanta-te, santifica o povo e diz-lhes: “Santificai-vos para amanhã pois assim diz Iahweh, o Deus de Israel: ‘o anátema está no meio de ti, Israel: não poderás enfrentar os teus inimigos até que não tenhais eliminado o anátema do vosso meio’».

Então Josué mandou que alguns homens fossem depressa até à tenda de Acã. Encontrando os pertences do povo de Hai, a prata, a capa e a barra de ouro, Israel matou Acã apedrejando-o. «E todo Israel o apedrejou» (Js 7, 25b).

Ananias e Safira (Actos dos Apóstolos 5, 1-16)

Dentre os mais conhecidos personagens dos Actos dos Apóstolos e, atrevemo-nos a dizer, do Novo Testamento, estão Ananias e sua esposa Safira. São facilmente lembrados por causa da maneira severa com que o Senhor os tratou.

Barnabé vendeu um pedaço de terra e deixou todo o dinheiro aos pés dos apóstolos (Act 4, 33). Indubitavelmente, muitos elogiaram a sua generosidade e, por isso, tanto Ananias como sua esposa Safira invejaram o louvor que este havia recebido. Assim, venderam também uma das suas propriedades e, gananciosos de louvor e dinheiro, ficaram com uma parte da quantia recebida, dando, contudo, a aparência de colocar tudo aos pés dos apóstolos. Pedro censurou Ananias por esta atitude, e ele caiu morto. Quando Safira chegou, Pedro proclamou também o julgamento de Deus sobre ela. Então ela também expirou e foram carregados e enterrados sem lamentação e funeral.

Paulo em Atenas (Actos dos apóstolos 17, 16-34)

A passagem por Atenas não é marcada por milagre algum. O famoso discurso oferece ao leitor uma formulação do Evangelho destinada a um auditório pagão. Este exemplo do sermão é admiravelmente conduzido pelo passeio de Paulo pelas ruas de Atenas. O próprio discurso é apoiado num esquema de pregação judaica e depois cristã em intenção dos pagãos: convida os ouvintes a se desviarem dos ídolos e a se voltarem para o Deus vivo. Lucas insufla vida a este esquema muito reduzido ao apresentar Deus numa linguagem que pode ser lida na perspectiva bíblica como numa óptica filosófica.

Lucas espera do leitor uma interpretação que seja uma adesão, isto é, que ponha em contacto com o Deus vivo e incite à conversão. Para orientar para este fim, enxerta neste discurso uma discreta menção ao Filho de Deus. A habitual cisão dos espíritos não tarda. Somente Dionísio, o Areopagita, Damaris e alguns outros aderem à fé.

Quem é este homem…

“Depois de salvos, é que soubemos que a ilha se chamava Malta. Os nativos trataram-nos com invulgar humanidade, pois acenderam uma grande fogueira, junto à qual nos recolheram a todos, por causa da chuva que estava a cair e por causa do frio.
[…]
Nas proximidades daquele sítio, havia umas terras pertencentes ao Primeiro da ilha, que se chamava Públio, o qual nos recebeu e, durante três dias, nos hospedou da forma mais cordial. Ora, o pai de Públio estava retido no leito com febre e disenteria. Paulo foi vê-lo e, depois de orar, impôs-lhe as mãos e curou-o. Em consequência disso, os outros enfermos da ilha vieram também procurá-lo e foram curados. Eles, por sua vez, cumularam-nos de honras e, na altura da partida, proveram-nos do que era necessário. [Act 28, 1-10]”.

Públio aparece-nos somente duas vezes em Act 28, 7-8, não aparecendo em mais nenhuma passagem da Bíblia. Públio era conciderado o Primeiro da ilha, título oficial do primeiro magistrado de Malta no período romano. Nome latino – etimologia desconhecida. Homem principal de Malta que recebeu com hospitalidade S. Paulo, depois do seu naufrágio, e cujo o pai foi curado por S. Paulo.

Em Antioquia: a primeira missão oficial (Actos dos apóstolos 13-14)

Poder-se-á colocar Barnabé entre os helenistas? Sabemos que é originário de Chipre (Act 4, 36) mas, se é levita, deve estar radicado em Jerusalém. Enquanto delegado de Jerusalém, é também especialmente delegado dos apóstolos que, como tal, o enviam a Antioquia. Foi escolhido, provavelmente, por conhecer os dois idiomas. Contudo, Paulo exprime-se melhor e foi ele, não Barnabé, que foi tomado por Hermes.

Antioquia, ponto de partida, será também ponto de chegada de uma viagem missionária, cujas etapas serão Chipre, Panfília, Pisídia e Licónia (Act 13-14). A técnica missionária permaneceu a mesma desde o tempo de Jesus e de Pedro: começa-se a pregar na Sinagoga, o auditório divide-se, um sinal completa a pregação, forma-se uma comunidade, mas a hostilidade dita a partida dos missionários. É neste contexto que aparece a predisposição de Lucas para a Evangelização dos pagãos. Esta certeza jamais fora expressa tão claramente, e vai reiterá-la até ao fim do livro. O povo Judeu teve a prioridade, mas não a exclusividade do anúncio.

O grupo dos doze em Jerusalém (Actos dos apóstolos 1-5)


Os cinco primeiros capítulos dos Actos dos Apóstolos descrevem a vida deste grupo. A reconstituição do colégio dos Doze (Act 1, 15-26) permite a Lucas colocar nos lábios de Pedro uma definição do apostolado: para ser testemunha, não basta ter visto o Cristo ressuscitado, é preciso também ter sido discípulo dele durante a sua vida terrena (Act 1, 21-22). Deste modo, antes de serem uma equipa missionária, os Doze são os detentores do testemunho. Por força das circunstâncias, tais testemunhas serão, ulteriormente, insubstituíveis; por ocasião da morte de Tiago (Act 12, 1-2) a vaga não será preenchida.


No capítulo segundo, a promessa de Jesus (Lc 24-49 e Act 1, 4-5) realiza-se na festa judaica seguinte: o Pentecostes. Para permitir aos seus leitores figurarem o evento, Lucas serve-se de tradições judaicas relativas ao dom da Lei no Sinai (Ex 19-20), e por fidelidade às promessas do Antigo Testamento, centraliza na cidade santa os primórdios da Igreja. Na verdade, tudo se passa em Jerusalém, como Isaías o predissera (Is 2, 1-3).


Como é evidente, os discursos missionários dos Actos dos Apóstolos, a começar pelo de Pedro, por ocasião do Pentecostes, não foram taquigrafados. Sem se considerarem infiéis, os historiadores da antiguidade repunham os discursos de seus heróis. Não se conclui daqui que Lucas fosse livre de atribuir aos apóstolos qualquer espécie de dito ou palavra. Conforme o uso, ele próprio redige, mas não inventa. Historiador, põe nos lábios de Pedro o que considera ter sido a substância do discurso. O sermão de Pentecostes não é, pois, um conjunto de palavras de Pedro, nem uma pregação característica do tempo de Lucas. Consciente da distância histórica, Lucas sabe distinguir as primeiras formulações doutrinais das expressões cristológicas de seu tempo. Lucas sabe também distinguir uma pregação missionária de uma homilia dirigida à comunidade cristã: por exemplo, o sentido da cruz não é revelado a qualquer um. Por este motivo, o valor redentor da morte só aparece no único discurso dos Actos dos Apóstolos dirigido a cristãos (Act 20, 28).


Como o testemunho é, a seus olhos, momento histórico e revelação de um sentido, os discursos cristológicos são marcas da passagem apostólica e portadores da narração lucana. Colocados nos momentos cruciais, permitem ao evangelista articular a história. O Pentecostes, o martírio de Estêvão, a conversão do primeiro pagão, a primeira missão Paulina, o Concílio de Jerusalém e o cativeiro de Paulo vão adquirir uma dimensão teológica pela inserção oportuna de um discurso.


Para voltar aos primórdios da Igreja, podemos observar-lhe o carácter exemplar. O discurso de Pedro (Act 2, 14-36) produz frutos. Algumas conversões se efectuam e uma comunidade começa a ser constituída a partir do núcleo inicial. O famoso sumário (Act 2, 42-47) descreve a quádrupla perseverança no ensino dos apóstolos, a comunhão fraterna (obediência às prescrições do Evangelho que implicam, segundo Lucas, a partilha), a fracção do pão (a Eucaristia) e as orações.


A presença da mensagem cristã e o sucesso da missão (calculada em cinco mil crentes, Act 4, 4) vão dividir os espíritos. Tal como no Evangelho, a hostilidade surge-nos aqui por parte das autoridades judaicas que haviam sido esquecidas desde a ressurreição. Solidária com o seu Senhor, a comunidade, pela sua fidelidade ao Evangelho, suscita a perseguição. Barnabé e Paulo confirmarão o que Jesus previra e vivera: «É preciso passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus» (Act 14, 22). Missão e apologia alternam-se no livro dos Actos, mantidas aqui pela oração da comunidade (Act 4, 24-30).


Antes de uma segunda captura, Lucas focaliza a comunidade. O bom uso do dinheiro corresponde a uma exigência da fé e não somente de moral. O gesto de Barnabé (Act 4, 36-37) contrasta com o de Ananias e Safira (Act 5, 1-11).


Se a fidelidade conduz ao sofrimento, Deus é também o Deus da libertação. Lucas visualiza esta convicção enraizada no Antigo Testamento: o milagre das correntes que se desfazem por si mesmas e da porta da prisão que se abre automaticamente.


O primeiro tempo dos Actos dos Apóstolos termina numa trégua: o Sinédrio, aconselhado por Gamaliel, contenta-se com a aplicação de umas vergastadas e os apóstolos, alegres por terem sido julgados dignos de sofrer ultrajes pelo Nome do Senhor (Act 5, 41), prosseguem o seu itinerário missionário em público, no Templo, ou particularmente, a domicílio.

(1)Pedro e Tiago que relação???

Esta citações não são novas, elas apenas nos ajudarão a entrar dentro das duas cartas para compreendermos que relação existe entre elas.

[Tg 5, 7] Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs e as tardias.

Na Palestina, onde chove muito pouco, todo o agricultor anseia pelas chuvas que costumam vir, sobretudo em duas épocas (v.7; Jr 5,24): as chuvas temporãs (Outubro-Novembro: as chamadas yoreh ou moreh), que preparam a terra para as sementeiras, e as tardias (Março-Abril: malqox), que garantem uma boa colheita.

[Tg 5, 8] Tende, também vós, paciência e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima.

[Tg 5, 10] Irmãos, tomai como modelos de sacrifício e de paciência os profetas, que falaram em nome do Senhor.

[Tg 5, 11] Vede como nós proclamamos bem-aventurados aqueles que sofreram com paciência; ouvistes falar da paciência de Job e vistes o resultado que o Senhor lhe concedeu; porque o Senhor é cheio de misericórdia e compassivo.


Tg 5, 7-11 No fim da Carta, o autor volta a insistir no tema inicial da paciência (1,2-4.12), que não significa passividade em face das injustiças, mas perseverança na fidelidade ao Senhor, na certeza de que Ele virá como Juiz remunerador. Esta era a crença nas comunidades primitivas. Em parte apoiada nas escatologias evangélicas. (Mt 24, 33)

[1Pe 2, 20] Aliás, que mérito tem suportar que vos batam, se vos portais mal? Mas se, fazendo o bem, sofreis com paciência, isso é uma coisa meritória diante de Deus.

Como podemos perceber a relação que une estas duas cartas prende-se com a questão da provação. Para os Cristãos as provações devem ser um motivo de alegria, porque contribuem para o seu aperfeiçoamento espiritual.
A paciência é vista como esta capacidade de diante os momentos mais dificeis confiar e esperar no dom e na graça de Deus. A paciência como vimos é uma virtude de Deus à qual o homem é chamado por forma a configurar-se mais plenamente com o próprio Senhor.

Uma pequena tabela…

Aqui fica a relação da relação entre cada livro do Novo Testamento e o número de vezes em que a palavra paciência aparece:

Livro Número de Vezes
Act 1
Rm 8
2 Cor 2
Gl 1
Ef 1
Cl 2
2Tm 1
Tt 1
Heb 2
Tg 4
1 Pe 1
2 Pe 3

Total 27

Recolha das várias passagens

Estas são as passagens onde a palavra paciência aparece no Novo Testamento:

Act 26, 3 tanto mais que estás ao corrente de todos os costumes e controvérsias dos judeus. Rogo-te, por isso, que me oiças com paciência.


Rm 2, 4 Ou não estarás tu a desprezar as riquezas da sua bondade, paciência e generosidade, ao ignorares que a bondade de Deus te convida à conversão?


Rm 3, 26 no tempo da divina paciência. Deus mostra assim a sua justiça no tempo presente, porque Ele é justo e justifica quem tem fé em Jesus.


Rm 5, 3 Mais ainda, gloriamo-nos também das tribulações, sabendo que a tribulação produz a paciência,


Rm 5, 4 a paciência a firmeza, e a firmeza a esperança.


Rm 8, 25 Mas, se é o que não vemos que esperamos, então é com paciência que o temos de aguardar.


Rm 9, 22 Ora, se Deus, na intenção de mostrar a sua ira e manifestar o seu poder, suportou com tanta paciência os vasos da ira, prontos para a perdição,


Rm 15, 4 E a verdade é que tudo o que foi escrito no passado foi escrito para nossa instrução, a fim de que, pela paciência e pela consolação que nos dão as Escrituras, tenhamos esperança.


Rm 15, 5 Que o Deus da paciência e da consolação vos conceda toda a união nos mesmos sentimentos, uns com os outros, segundo a vontade de Cristo Jesus,


2 Cor 6, 4 Ao contrário, em tudo nos recomendamos como ministros de Deus, com muita paciência nas tribulações, nas necessidades e nas angústias,


2 Cor 12, 12 Os sinais distintivos do Apóstolo realizaram-se entre vós, por uma paciência a toda a prova, por sinais, milagres e prodígios.


Gl 5, 22 Por seu lado, é este o fruto do Espírito: amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade,


Ef 4, 2 com toda a humildade e mansidão, com paciência: suportando-vos uns aos outros no amor,


Cl 1, 11 deixai-vos fortalecer plenamente pelo poder da sua glória, para chegardes a uma constância e paciência total com alegria;


Cl 3, 12 Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos, pois, de sentimentos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de paciência,


2 Tm 3, 10 Tu, porém, seguiste de perto o meu ensinamento, o meu modo de vida e os meus planos, a minha fé e a minha paciência, o meu amor fraterno e a minha firmeza,


Tt 2, 2 Os anciãos sejam sóbrios, dignos, prudentes, firmes na fé, na caridade e na paciência.


Heb 6, 15 E assim, Abraão, tendo esperado com paciência, alcançou a promessa.


Heb 13, 22 Rogo-vos, irmãos, que suporteis com paciência esta palavra de exortação, pois para isso vos escrevi brevemente.


Tg 5, 7 Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs e as tardias.


Tg 5, 8 Tende, também vós, paciência e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima.


Tg 5, 10 Irmãos, tomai como modelos de sacrifício e de paciência os profetas, que falaram em nome do Senhor.


Tg 5, 11 Vede como nós proclamamos bem-aventurados aqueles que sofreram com paciência; ouvistes falar da paciência de Job e vistes o resultado que o Senhor lhe concedeu; porque o Senhor é cheio de misericórdia e compassivo.


1 Pe 2, 20 Aliás, que mérito tem suportar que vos batam, se vos portais mal? Mas se, fazendo o bem, sofreis com paciência, isso é uma coisa meritória diante de Deus.


2 Pe 1, 6 ao conhecimento a temperança; à temperança a paciência; à paciência a piedade;


2 Pe 3, 9 Não é que o Senhor tarde em cumprir a sua promessa, como alguns pensam, mas simplesmente usa de paciência para convosco, pois não quer que ninguém pereça, mas que todos se convertam.

2 Pe 3, 15 Considerai que a paciência de Nosso Senhor é para nossa salvação. Nesta ordem de ideias, escreveu-vos também o nosso caríssimo irmão Paulo, segundo a sabedoria que lhe foi concedida.

Paciência, mais uma achega

A paciência de Deus é um aspecto do seu amor: Ex 34,6-7n; Pr 25,15n; Sb 11,16-24n; Jl 2,13n; Jn 4,2: o nosso Deus é um Deus de paz, de paciência e de esperança: Rm 15,5.33. Perante a demora da Parusia, Deus é paciente, porque espera a conversão: Rm 11,25-27; 1 Pe 3,20; 2 Pe 3,4-9. A paciência de Deus faz parte da sua pedagogia: Rm 5,3-4; 15,4; Heb 12,5-13n; Tg 1,12.
É uma virtude cristã: Rm 9,6-13n; 12,12; 1 Cor 13,4-7n; 2 Cor 1,6; 2 Tm 2,10-12; Heb 12,1-2; Tg 1,2-4. Suportamos os sofrimentos com os olhos postos em Cristo: Jo 11,16; Rm 8,17-25; 1 Cor 4,10-13n; 2 Cor 4,8-12n; 6,3-10n; 11,23n; Gl 4,13n; Fl 1,18-20; 2 Ts 3,5; Ap 1,9.

A pertinência de uma palavra, um percurso pela escritura

A paciência de Deus (Rm 2,3s; 3, 26) pode ser considerada um sinónimo da sua longanimidade em não punir logo os pecados, indo muito longe na sua prontidão para perdoar. O homem tem que praticar a paciência para com o seu semelhante (Ef 4, 1; Col 3, 12s; 1Tes 3, 14); essa virtude deve ornar a vida do fiel (Ti 2, 2; 1Tm 6, 11; 2Tim 4, 2). A literatura literatura sapiencial do Antigo Testamento recomenda-a várias vezes. A paciência contribui para uma convivência pacifica (Prov 14, 23; 15, 18; 16, 32). Como os sufrimentos e contratempos podem, mais cedo ou mais tarde, vir sobre qualquer um, o homem precisa saber que então a paciência lhe será absolutamente necessária (Eclo 2, 2-5; Rom 5, 3; 15, 4: Tg 1,3s; Apc 3, 1; Lc 21, 19). Tg 5, 7-11 e Hbr 6, 12 alegam os exemplos edificantes de paciência que se encontram na Bíblia, por exemplo, Abraão (Gn 18, 27); José (Gen 41, 16); Moisés (Num 12, 3); David (2Sm 7, 18); Salomão (1Rs 3, 7); Jeremias (1, 6); Jó. A força para ser paciênte é dada por Deus; a paciência, deve pois basear-se na confiança em Deus (Sl 38, 14-16; Gal 5, 22).

A klhronomia de Deus (parte 2)

A palavra Herança - klhronomia aparece em 1 Pe 1,4, (4*para uma herança incorruptível, imaculada e indefectível, reservada no Céu para vós), e verifica-se em outras passagens do Novo Testamento na também na forma de “herdeiro”.
Daqui podemos fazer uma distinção: herdeiro é o filho, a herança é o Reino de Deus. Assim, depreende-se que o ser herdeiro fundamenta-se na filiação. Ora, se Cristo, enquanto Filho, é herdeiro, os seus, enquanto participantes da filiação são sugkleronomoi, ou seja, co-herdeiros.
É em Mt 21,43 que se formula o Reino de Deus como herança.
Neste passo da 1ª de Pedro, que serve de base ao nosso estudo, esta herança é o Reino de Deus prometido.

Esperança em Tiago está ligado à parusia


Em Tg 5,7-8 esperança aparece camuflada apesar desta aparecer como forma verbal “esperar”:

“Sede, pois, pacientes, irmãos, até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando com paciência que venham as chuvas temporãs e as tardias. Tende, também vós, paciência e fortalecei os vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima.”

São Tiago parece participar da opinião difundida no sector da Igreja primitiva de uma próxima segunda vinda do Senhor (parusia). Esta comparação é segundo o estilo de São Tiago. As primeiras chuvas são o começo do Outono, as ultimas o começo da primavera. Assim como o lavrador espera pelos frutos com perseverança, assim também nós devemos saber esperar pela segunda vinda do Senhor ressuscitado. Parusia é o termo escatológico que designa a segunda vinda de Cristo. Neste versículo vemos que estava presente na comunidade primitiva a ideia de uma vinda próxima do Senhor e isso podemos verificar noutras passagens do Novo Testamento como em Mt 24,3.27.37.39 ou em 1Cor 15,23.

Esperança em 1Pe 3,15

1Pe 3,15:

“…mas, no íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça.”

Aqui todos são exortados a estarem prontos para responder a qualquer pessoa que peça a razão da sua esperança. Pedir razão tem, sem dúvida, um matiz judicial, oposto a dar razão (1Pe 4,5), mas aqui podemos entender isto no sentido vulgar, sem implicações jurídicas, e este parece ser aqui o sentido adequado, pois se pede para responder a qualquer um que peça a razão da sua esperança, o que não parece ser restringido a juízes ou magistrados, já que, estes também não são excluídos. A esperança, mais do que a fé, se coloca aqui como objecto desta apologia, porque, para o mundo não cristão, a falta de esperança é, pelo menos, tão característico como a falta de fé, e São Pedro caracteriza com gosto a atitude crista como esperança (1Pe 1,3; 3,21; 3,5).

“As santas mulheres que esperavam”

Esperança em 1Pe 3,5 aparece em forma verbal: esperavam.

“Era assim que outrora se adornavam as santas mulheres que esperavam em Deus, submissas a seus maridos.”

Aqui São Pedro exorta as mulheres a adornarem o seu interior e não apenas o seu exterior. Ele recorda as virtudes que havia outrora em Israel e uma delas é precisamente a esperança no Deus único. Por isso, ele exorta que se cultive e se adorna esta esperança que vem desde do princípio da história do povo de Israel.

O fundamento da esperança em 1Pe 1,21


A Esperança em 1Pe 1,21:

“…vós, que por meio Dele tendes a fé em Deus, que o ressuscitou dos mortos e o glorificou, a fim de que a vossa fé e a vossa esperança estejam postas em Deus”.

Aqui não se trata simplesmente da fé em Deus mas sim a fé em Deus por Cristo, um elemento novo que se junta à fé dos judeus convertidos. É a fé em Deus, que ressuscitou Cristo e O glorificou e com isto pôs o fundamento da esperança na própria ressurreição. O radicalmente novo no cristianismo não é a fé em Deus, que era já próprio do judaísmo, mas sim a esperança (1 Tes 4,13).

Esperança em 1Pe 1,13

Em 1Pe 1,13 também aparece a palavra esperança:

“Por isso, de ânimo preparado para servir e vivendo com sobriedade, ponde a vossa esperança na dádiva que vos vai ser concedida com a manifestação de Jesus Cristo.”

É com estas palavras que São Pedro faz a sua primeira exortação. Ele passa à parte parenética fundada na dogmática. A concertação de espírito é a primeira coisa que São Pedro pede aos cristãos, para que estes possam levar uma vida conforme a nova natureza real, invisível, que receberam já do Pai. Neste sentido a exortação à perfeita sobriedade, já que sem prescindir do perigo do vinho, tão frequente na antiguidade pagã, refere-se à vigilância que se opõem à sonolência do espírito, característica dos que vivem na escuridão da ignorância. A concentração e a vigilância são necessárias para viver orientados para a salvação futura. A revelação de Cristo aqui está em paralelo com o versículo 7º, referindo-se assim a uma manifestação escatológica.

Esperança em 1Pe 1,3

Em 1Pe 1,3 aparece a palavra esperança unida à palavra viva:

“Bendito seja Deus, Pai do Nosso Senhor Jesus Cristo, que na sua grande misericórdia nos gerou de novo através da ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos para uma esperança viva”.

Pedro nesta passagem descreve o termo regeneração mais exactamente como esperança, pois a nossa salvação é todavia futura., já que a exortação à perseverança e a uma vida moral, como podemos ver mais atrás em 1,13ss, faz-nos ver que não se trata de um bem puramente escatológico. Esperança viva, é dizer, que não engana, como podemos ver em Rom 5,5, apenas conduz à vida eterna (Tit 1,2; 3,7). O ritmo do versículo 3-5 exige relacionar a ressurreição de Jesus Cristo com a regeneração e não exclusivamente com a vitalidade da esperança. A relação da ressurreição de Cristo com a nossa santificação não se deve reduzir a uma mera causalidade exemplar como paradigma da nossa ressurreição.

Esperança na 1ª carta de Pedro e em Tiago

Esperança (elpis) é uma palavra que aparece 60 vezes em todo o Novo Testamento.
Ela aparece na 1ª carta de Pedro 4 vezes em forma de substantivo e apenas uma vez em forma verbal:

1Pe 1,3 – Esperança
1Pe 1,13 – Esperança
1Pe 1,21 – Esperança
1Pe 3,5 – Esperavam
1Pe 3,15 – Esperança

Já na carta de Tiago é mais complicado encontrar esta palavra, apesar de aparecer apenas uma vez em forma verbal (esperar) em Tg 5,7.

03/06/2007

OBRAS…. e FÉ

O argumento da "justificação pelas obras", desenvolvido por Tiago no capítulo 2 (vv. 14-26), pode ser contrastado com a doutrina da "justificação pela fé", arguida por Paulo em suas epístolas no Novo Testamento. Uma maneira pela qual os cristãos conciliam estes dois pontos de vista é ao entender que Tiago prega a justificação perante os outros, perante o próximo ( a justificação da profissão de fé de um cristão através de uma vida coerente), enquanto que Paulo dá ênfase à justificação diante de Deus ( o homem aceito por Deus como justo devido à rectidão de Cristo, que é recebida pela fé). Outro modo é a referência dos padres da igreja, onde justificam a fé salvadora e verdadeira que é enraizada pelo amor, e o amor é pois acompanhado de boas obras, por oposição à fé que é apenas uma anuência intelectual a um conjunto de crenças. Uma referência cruzada pertinente é Actos 26,20, na qual Paulo diz que ele tem pregado "que se arrependessem e se convertessem a Deus, praticando Obras dignas de arrependimento". Alguns estudiosos apontam esta passagem como indício de que Paulo concordava com Tiago em que a fé verdadeira (ou "viva") é acompanhada de Obras.

As relações entre judeus e cristãos

Este tema constitui um ponto de crispação e divisão entre os exegetas. A primeira separação entre judeus e cristãos aconteceu com a morte de Estêvão. Mas não foi o único. Em Antioquia da Pisidia (Act 13,12-52), que inaugura a missão de Paulo e Barnabé temos uma outra ruptura. O termo οι ιουδαιοι está praticamente ausente dos primeiros doze captitulos de Actos enquanto que a partir de Act 13 é usado para apresentar a recusa de Israel ao anúncio do Evangelho, sobretudo entre os círculos dirigentes. Mas é a recusa de Israel que leva a Boa Nova a ser anunciada até aos confins da terra (Act 13,47). A conversão de Crispo é um outro momento de conflito. Após a sua conversão ele é substituído na chefia da sinagoga por Sóstenes que entretanto também foi espancado pelos judeus.
A dupla acusação de Paulo diante do povo de Jerusalém (Act 22) e depois diante do Sinédrio (Act 23) tem por base a mesma acusação: Paulo promove discórdias entre os judeus do mundo inteiro.
A resposta para este conflito é-nos apresentada por D. Marguerat em cinco pontos:
- é uma tensão não resolvida: Lucas procura atrair a simpatia dos leitores para os missionários;
- reforçar a consciência identitária: a identidade cristã está enraizada no povo eleito e nas Escrituras
- o triunfo de Deus : mesmo em Roma a palavra de Deus é anunciada com toda a intrepidez
- um horizonte largo: a igreja não é uma sinagoga alargada
- a universalidade do povo santo : o cristianismo tem no seu seio judeus e pagãos. A sua presença na escola de Tiranos ou na casa de Paulo em Roma dão testemunho disso.
Palavra escolhida - Obras


"Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé." Tiago 2,24
A fé sem obras é morta. As obras - apenas exteriores, sem fé e portanto desprovidas da caridade - não tem nenhum efeito. Pois a fé é a adesão da inteligência às verdades reveladas por Deus. Sem a fé é impossível salvar-se. Mas as obras são como que a adesão da vontade à lei de Deus, aos mandamentos, sendo também obrigatórias. As obras são um complemento necessário à fé, e será através das obras que Deus irá retribuir a cada um dos homens: "O poder é de Deus, e a ti, Senhor, a misericórdia; porque tu retribuirás a cada um segundo as sua obras..." (Salmos LXI, 12 e 13)

A função de chefe da sinagoga

No Novo Testamento encontramos, além desta mais duas referências a pessoas que ocupam esta função: a primeira é em Mc. 5,31-43 onde Jesus aparece a curar, a filha de Jairo, chefe da sinagoga; a segunda vez é a figura de Sóstenes, em Act. 18,16 também ele nomeado sem mais detalhes, chefe da sinagoga.
As competências do chefe da sinagoga eram a presidência da assembleia, interpretar a lei, decidir sobre questões legais, administrar a justiça, abençoar os casamentos e decretar os divórcios.
Dada a sua posição de elevada influência na comunidade de Corinto, a conversão do seu chefe, Crispo, além de ter arrastado consigo os membros da sua família, também impressionou muitos outros judeus. Talvez possa ser esta uma das razões que para o autor dos Actos, se mostrou relevante o relato desta história.
Segundo uma inscrição encontrada na sinagoga de Corinto, o chefe da sinagoga tinha também a responsabilidade da manutenção do edificio. Como esta função exigia uma certa disponibilidade de dinheiro, podemos supor que Crispo pertencesse também a uma classe social elevada.
Resumo Acto dos Apóstolos
Primeiras Comunidade

Acto dos Apóstolos é o livro do N.Tque narra o ministério dos apóstolos. É atribuído a São Lucas, tendo sido escrito como o segundo volume de uma obra com duas partes, da qual a primeira é o Evangelho de Lucas. Lucas era um médico, educado, que nunca conheceu Jesus pessoalmente e que falava , grego e latim , era romano . Os apóstolos baptizaram exclusivamente em nome do Senhor Jesus Cristo veremos isso em Actos 2,38, Actos 8,12 e 16, Actos 10,48, Actos 19,3 a 7, Actos 22,16, Romanos 6,3 coalescentes 3,17, há quem diga que eles contrariaram a ordem de Jesus dada em Mateus 2,9. Senhor Jesus Cristo esse foi o nome revelado ao Apostolo Pedro no dia de Pentecostes onde ele recebeu esta chave do reino conforme vemos em Mateus 16,19 e essa chave foi usada no dia de Pentecostes quando Pedro abriu através do baptismo em nome de Jesus Cristo, e as pessoas receberam o dom do Espírito Santo após o acto baptismal que é a salvação da alma Efésios 4:3O livro de Actos termina abruptamente com Paulo em seu segundo ano na prisão de Roma, que teve início cerca de 60 d.C. Lucas não dá informação sobre o julgamento ou morte de Paulo (o apóstolo morreu entre 66 e 68 d.C.). Os eruditos acreditam que Lucas teria incluído acontecimentos importantes se tivesse escrito depois de 64 d.C. como a perseguição de Nero (64-68 d.C.) ou a destruição de Jerusalém (70 d.C.). Portanto, Actos foi escrito provavelmente entre 61 e 63 d.C. Os Actos é dirigido a uma pessoa específica, Teófilo. Embora tivesse escrito para alguém específico, muitos acreditam que ele tenha se dirigido a todos os que amam a Deus, desde que “Teófilo” significa “aquele que ama a Deus”. De qualquer modo, Lucas escreveu Actos para que pudesse ser lido por muitos. Esses leitores tinham familiaridade com o império romano e com a Ásia Menor, mas talvez não com a Palestina, o que explicaria a informação cuidadosamente detalhada de Lucas sobre determinados lugares. Justamente devido á tradução do nome Teófilo, alguns pensam que esta carta era aberta e não a um indivíduo que se chamava assim.

A Palavra “Coração” nas Cartas de Tiago e 1Pedro

Já vimos que os textos bíblicos apontam o coração como local onde se dá a fusão da dimensão psíquica e espiritual. É no coração dos homens que Deus pode operar a transformação total. Se o homem não deixar que a acção de Deus toque o seu coração a sua conversão será sempre parcial. O homem tem de se deixar que Deus toque o seu coração, porque se Deus não toca aquele que é o centro da vontade e das paixões do homem, estas não atingiram as dimensões do amor de Deus, mas continuaram a ser apenas paixões humanas que perecem tal como perece a flor da erva. (cf Tg 1,10)
O desfio das obras e do amor verdadeiro é o desafio que está contido no coração esta é também a perspectiva que nos é dada pela 1Pedro, nas três vezes que encontramos a palavra coração:

1Pe 1, 22-23: Já que purificastes as vossas almas pela obediência à verdade que leva a um sincero amor fraterno, amai-vos intensamente uns aos outros do fundo do coração, 23como quem nasceu de novo, não de uma semente corruptível, mas de um germe incorruptível, a saber, por meio da palavra de Deus, viva e perene.

Esta passagem da carta da 1Pe apresenta-nos o coração como o local onde a palavra é transformada em verdadeiro amor. Ou melhor, como a palavra pode purificar os corações daqueles que a acolhem, podemos ainda dizer que estas palavras da 1Pe seguem a lógica que na carta de Tiago nos é lançada em 3,14 e 4,8; onde somos chamados a não ter um coração dúbio.

1Pe 3, 3-4: Que o vosso adorno não seja o exterior - arranjo do cabelo, jóias de ouro, roupa vistosa - 4mas, sim, o interior, que está oculto no coração, o adorno duradouro de uma alma mansa e serena; este é o adorno de maior valor aos olhos de Deus.

Como paralelo da carta de Tiago podemos encontrar a passagem de Tg 5,5. Nas duas cartas o desafio é claro, é o de não nos agarramos ao corruptível mas sim ao incorruptível, o coração é assim o local da verdadeira riqueza. Por isso Tiago (Tg 5,5) na sua carta condena aqueles que apenas se preocupam em engrandecer a sua riqueza e cevar os seus corações.

1Pe 3, 14-15: Mas, se tiverdes de padecer por causa da justiça, felizes de vós! Não temais as suas ameaças, nem vos deixeis perturbar; 15mas, no íntimo do vosso coração, confessa Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça;

Esta terceira passagem em que nos aparece a palavra coração na 1Pedro podemos identificar esta esperança a que ele desfia os cristãos a testemunhar com a paciência na vinda do senhor que nos fala a carta de Tiago (cf. 5,8).
Podemos dizer que a palavra coração não tem propriamente um campo semântico, mas sim um conjunto de sentidos, sentimentos, emoções e outras tantas dimensões particularmente humanas que lhe são atribuídas. E as quais podemos presenciar nestas duas cartas.

Um paralelo interessante!

Ao lermos este trecho do livro dos Actos dos Apóstolos, identificamos no casal Actos 5,1-11 um proceder desonesto em relação ao preço do terreno vendido. Ou seja, este casal trai o amor de Deus presente na comunidade.
Como leitores da Sagrada Escritura encontramos ao longo dos textos sagrados muitas outras traições cometidas pelo homem. Contudo há uma outra que se sugere como paralela, e ao mesmo tempo iluminadora deste trecho do livro dos Actos. Esse outro trecho é o relatado no livro dos Génesis (Gn 3).
Em Génesis 3 percebemos que a expulsão do homem e da mulher dá-se pelo facto deles terem sido desobedientes e poderem voltar a sê-lo, por isso são afastados da relação com Deus. Com Ananias e Safira é também a desobediência ao Espírito da Verdadeira partilha, que habitava o seio da comunidade, que os leva a serem expulsos da comunidade daquela forma; não fossem também exemplo para outros membros da comunidade. Pois querendo aparecer como desprendidos dos seus próprios bens Ananias e Safira apresentavam-se na verdade como um casal astuto que procurava o beneficio próprio.
Perante a falsidade de Ananias, Pedro aparece-nos - como Deus no livro do Génesis em relação ao casal original - perfeito conhecedor das razões que ali levavam Ananias, assim, tal como o homem original não foi capaz de esconder a sua nudez perante Deus, o mesmo aconteceu com Ananias não sendo capaz de esconder a nudez do seu pecado diante de Pedro.
Podemos estabelecer um paralelo interessante entre estes dois trechos. E tendo em conta que um se refere ao inicio da obra criadora de Deus e ao inicio da relação entre Deus e o homem (Gn), e o outro se refere à obra de recriação – a Igreja - e restabelecimento das relações entre Deus e o homem; podemos ver aqui um interessante ponto comum. Podemos dizer até, que Deus na sua obra de salvação do homem não permitio que Satanás tivesse lugar por isso logo à partida todos aqueles que se deixarem ser manipulados por ele não têm lugar na Igreja.
Vemos então, que tanto num relato como noutro, o que temos, é um problema de desobediência seguido da respectiva resolução. Se a consequência do homem e da mulher do livro do Génesis foi a de serem afastados do paraíso - local onde podiam relacionar-se com Deus de forma privilegiada - o mesmo acontece agora com o casal dos Actos dos Apóstolos, pois através daquela morte fulminante eles são impedidos de se relacionarem com Deus.
Este pode ser um paralelo interessante que pode iluminar a leitura deste trecho do livro dos Actos.
Revelação:
No processo crente as coisas não são muitas vezes bem interpretadas e muitas vezes o homem depara-se com as dificuldade e com o principal desejo, de fazer como os judeus, que é pedir um sinal, como encontramos em Jo 6, 30.
Por isso os sinais passam a ser vistos de duas formas: os sinais externos que estão ligados à história da Revelação e os sinais internos que estão ligados à forma como o homem se sente marcado e tocado pela Revelação.
Algo que o homem tem que tomar consciência por si mesmo é que, só pode crer em Deus, pelo dom gratuito que este é. Os profetas descrevem a acção de Deus no crente como de Alguém que dá ao crente um coração novo e de um espírito novo. Por isso não podemos estranhar que S. Agostinho nos fale que o dom da fé é como um “mestre interior”.
Revelação:
No Antigo Testamento a fé aparece como resposta do homem a Iahweh, ao Deus da aliança que se revela na suas intervenções histórico – salvíficas, nas suas palavras e nas suas promessas.
São Paulo situa á fé entre dois pólos: o primeiro é o efeito salvífico, enquanto que o segundo é a morte e a ressurreição de Cristo. Para S. João a adesão à fé é a entrega do homem a Cristo e à sua Palavra.

"Hamartia" – O "Pecado" na Carta de Tiago e 1Pe

Na Carta de Tiago (Tg) o termo pecado ou palavras deste derivadas aparece 9vezes (1,15a; 1,15,b; 2,9; 4,8; 5,5; 5,15; 5,16; 5,20a; 5,20b). Na primeira Carta de Pedro (1Pe) a ocorrência é de 7vezes (2,22; 2,24a; 2,24b; 3,18; 4,1; 4,8; 4,18).
Na Carta de Tiago, o tema que domina é o do sofrimento ou prova (peirasmós), que consiste numa prova pesada para alguns membros da comunidade. Para Tiago existe uma certa conexão entre o pecado e o sofrimento, especialmente a enfermidade (5,14-16). Daí resulta a importância que tem o confessar os pecados em ordem à cura. Contudo a prova é uma ocasião para se purificar e antecipar o gozo e a espera escatológicos (1,2-4), que devem configurar toda a existência cristã, pois com ela Deus não pretende nem pode pretender o mal, mas purificar o fiel (1,12-15).
Tiago sublinha a dignidade dos pobres que são destinatários da eleição divina e objecto da bem-aventurança escatológica (1,9.12; 2,5.7ss). Desta convicção de fé brotam consequências determinadas: há que melhorar a condição aqui na terra (4,13ss; 5,4.7ss; 2,5-7). E dado que os ricos não são em absoluto alheios a esta situação de injustiça que vivem os pobres, há que exortar os ricos a que se convertam, denunciando o mal que fazem ao pobre quando os desprezam e maltratam (2,6ss), quando os exploram (5,1-6), recordando-os ao mesmo tempo da caducidade dos bens terrenos (1,10ss).
Na 1Pe Pedro também remete ao sofrimento e à injustiça. Foi pelo sofrimento e pelas Suas chagas que Cristo nos curou do pecado, “Ele levou os nossos pecados no Seu Corpo”(2,24) para que vivamos na justiça. Também os destinatários da 1Pe são convidados a entregar os seus sofrimentos à causa de Cristo, pois “quem padeceu na carne, rompeu com o pecado” (4,1). Nos textos da 1Pe há pelo menos 4 que fazem referência ao sofrimento de Jesus: 2,21; 2,22; 3,18; 4,1a e 4,1b. Contudo os sofrimentos de Cristo são a base das exortações aos seguidores de Jesus para que suportem o sofrimento. Precisamente por este se explica qual foi a atitude de Jesus perante o sofrimento injusto (2,21-25), a fim de que o seguidor de Jesus possa revestir-se da mesma atitude (4,1), quando for perseguido injustamente pelo facto de ser cristão (4,15-16). Não estamos diante do único documento do Novo Testamento que se inspira na vida terrena de Jesus, no entanto a 1Pe apela de forma especialmente incisiva ao sofrimento de Cristo como fundamento da exortação aos cristãos.
Neste contexto e porque estamos diante de uma carta de carácter exortativo, o autor da 1Pe não deixa de apelar ao exercício da caridade. O amor apaga a acção do pecado e toda a sua envolvência (4,8) porque “se o justo dificilmente se salva, o que virá a ser do ímpio e do pecador? Por isso, aqueles que tenham de sofrer segundo a vontade de Deus, encomendem as suas almas ao Criador, que é fiel, perseverando na prática do bem” (4,18-19).

"Pecado" no Novo Testamento

O conceito de pecado é um dos termos mais difíceis e mal entendidos da tradição bíblica. Na semântica da linguagem comum, que penetra inclusive na propaganda comercial, “pecado” designa a infracção de prescrições morais anacrónicas da Igreja, de conteúdo bem definido. O que o Novo Testamento entende por “pecado” é algo diferente, que não pode ser deduzido satisfatoriamente do termo hamartia, o mais usado. Embora sobretudo o plural (hamartiai) possa referir-se a erros morais concretos (sobretudo em passagens parenéticas, como é o caso da carta de Tiago e 1Pe que estamos a analisar), o sentido central é o da pecaminosidade como definição essencial e atitude fundamental do homem, e essa pecaminosidade é interpretada teologicamente como perda da relação com Deus. Contudo para explicar essa dimensão do pecado seria necessário considerar a unidade de sentido entre diversos testos, ainda que neles não se encontre o próprio conceito de hamartia.

Dar razão da esperança que há em nós (1Pd 3,15)

A primeira carta de Pedro dirige-se aos cristãos que são atormentados pelas circunstâncias exteriores e que têm de sofrer. Todos conhecemos a situação de aperto interior ou exterior que havia nas primeiras comunidades. A esperança tem ainda mais razão de ser num contexto adverso, de ameaça e de opressão. A esperança protege da resignação. Quando os cristãos deixam transparecer a esperança, então os seus concidadãos pagãos ficam surpreendidos. Isto porque se comportam de uma maneira completamente diferente das outras pessoas. É então que serão questionados sobre esse estranho comportamento. O autor da primeira carta de Pedro informa os cristãos: "Estai sempre preparados para responder, com mansidão e respeito, a quem quer que vos peça a razão da esperança que há em vós". (1Pd 3,15) Estas palavras deixam bem claro que a esperança altera os comportamentos concretos dos cristãos. Devido à esperança que tem dentro de si, o cristão não se deixa derrotar facilmente, quer por pessoas que o atormentem, quer por acontecimentos infelizes como as perseguições e as mortes que haviam por causa do nome de Cristo. Mas como lembra o autor, o cristão também se deve certificar das razões da sua esperança. Tem de ter uma resposta, primeiro para si próprio, e depois para os outros, sobre a razão por que não se deixa influenciar pelas dificuldades e por que, mesmo no sofrimento, consegue ser feliz (Cf. 1 Pd 3, 14). A razão da esperança é o próprio Cristo, que sofreu tal como nós e morreu por nós: "o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus". (1Pd 3, 18)

Uma lei perfeita: a lei da liberdade (cf. Tg 1,25b)

Neste passo procuraremos clarificar a relação entre as noções de liberdade presentes nas Cartas de Pedro (primeira) e Tiago. Para isso começaremos por analisar o sentido que esta última denota, comparando-o, finalmente, com o da primeira (que já fomos vendo).

a) Sentido de liberdade na Carta de Tiago

«Mas o que contempla a lei perfeita, a da liberdade, e nela persiste, não como ouvinte negligente, mas tornando-se feitor da obra, este será feliz na sua feitura» (Tg 1,25).

Que lei é esta que, embora práxica, seja contemplável? A abordagem quase mística da lei remete-nos de imediato para aquele ambiente de memória cardíaca onde a visão guarda nos gestos (que saem daquele músculo decisivo – tão imprescindível à pulsação como à decisão, segundo o entendimento semita [veja-se Xavier Léon-Dufour (org.), Vocabulaire de Théologie Biblique, Les Éditions du Cerf, Paris, 1966, 136-139]) aquilo que lhe vibra no peito. De facto, a lei surge na tradição semita (também) como realidade amável porquanto exprime a íntima relação de Deus com o seu povo (cf. Dt 6,1-9). Assim, a lei evoca aquela obediência amorosa que os amantes (cf. Os 2,16-22, particularmente o v. 21) impõem a si mesmos na demanda do amor excessivo (qual febre de amar…). Aqui a contemplação é necessariamente activa, porque não cabe na vista aquilo que o coração pressente, fervendo numa ânsia que no corpo treme.
O autor da carta refere-se, precisamente, à relação implícita entre o conhecimento da mensagem e o seu cumprimento. De facto, só conhece [veja-se acerca do conhecimento no pensamento semita Ibidem, op. cit., 157] verdadeiramente aquele que actualiza aquilo que o habita.
Mas, que lei? e em que medida respeita à liberdade?
A lei perfeita [cf. 1,25a] – a do reino [cf. 2,8-11] –, de amorosa, implica não apenas uma imparcialidade exterior mas sobretudo uma rectidão interior por que aquele amor se cumpre [cf. 2,10s.]. De facto, é o exercício (ou não) do amor piedoso (diríamos, do cumprimento legal) que diz da observância da lei, e é por ele que seremos julgados [cf. 2,11.13b]. Desta feita, esta lei reporta-se não já a uma régua mas ao coração, onde se decide da autenticidade da relação (consigo, com outros, com o Outro) [cf. 2,8].
A liberdade será, enfim, a própria condição daquele que ama extremadamente (i. é, que age conforme o que conhece). Sendo um amante, o homem livre é aquele que não se cansa de fazer o bem [cf. 2,17.18.22], que resiste pacientemente [cf. 5,10] nas provações, tentações [cf. 1,13s.] e sofrimentos vários, que é humilde e submisso diante de Deus [cf. 4,7.10.15]. Nele, fé e obras não se opõem: exigem-se mutuamente.

b) Relação entre as noções de liberdade presentes nas duas cartas

Tanto na 1 Pe como em Tg, a liberdade parece referir-se ao estatuto, mais, à identidade mesma do cristão. É ela que diz a sua disponibilidade face aos outros – ainda que fora da comunidade – (e, profundamente, ao Outro) que, de amorosa, se permite às dores da paixão. A autenticidade dessa extroversão reclinada será já momento do juízo da própria existência, na medida em que nela ecoa a actualização contemplativa das letras da intimidade com Deus (expressa também no encontro com os outros).
O inovado estatuto do cristão fá-lo livre não apenas diante da sociedade mas ainda dos próprios constrangimentos ritualistas duma religiosidade exterior. Mas tal liberdade não marginaliza o cristão: antes compromete-o com todos e cada um. E essa será a raiz da estranheza cristã: está no mundo debruçado sobre a infinitude. Assim, a autenticidade da vida cristã, embora falando todas as línguas, não poderá ocultar um incómodo desfasamento de sotaque…

c) Primeira Carta de Pedro e o tema da liberdade

Os cristãos, porque identificados com Cristo, agem cristicamente. Deste modo, podem não apenas resistir aos sofrimentos como ainda amar os opressores. É essa insólita disponibilidade interior para a submissão (enquanto momento desconcertante de anúncio) que distingue o ser cristão. Esse é, profundamente, o segredo da sua liberdade, que lhes permite viver como forasteiros e hóspedes nessa terra alheia que é a da lonjura de Deus… Porventura, a estranheza por que se acham sem-terra é menos espacial do que cordial, identificada que está com esse horizonte sem chão… No limite, é a liberdade que os faz estranhos…

Ode à Liberdade

"Ode à Liberdade" (excerto).

Beethoven: Symphony No.9 in D minor Op.125, Leonard Bernstein, Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks, Staatskapelle Dresden, Kirov Orchestra, London Symphony Orchestra, New York Philharmonic, Orchestre de Paris, June Anderson, Sarah Walker, Klaus Konig, Jan-Hendrik Rootering. Live recording in Schauspielhaus Berlin, 25-12-1989.

b) Liberdade no seu contexto remoto: campo semântico

Interpretação do campo semântico:

A liberdade do cristão radica, desde logo, na sua eleição [cf. 1,1s.], por que aquele emerge como realidade nova, regenerada (cingida [cf. 1,13]), voltada para o anúncio das proezas d’Aquele que o chamou [cf. 2,9]. Assim, o cristão vê-se chamado a viver como Cristo [cf. 2,21], ou seja, a ser livre. Tal liberdade traduz-se pela obediência filial [cf. 1,14] apostada, como Cristo, na resistência crente face aos sofrimentos [cf. 1,5.6; 2,19]. A liberdade mostra-se, então, submissa a Cristo [1,1-2] e, n’Ele, a qualquer instituição humana, pois que Ele mesmo foi livre rebaixando-Se [cf. 2,21-25], uma vez que só na humildade é que a relação (liberal) pode, profundamente, acontecer [cf. 5,5]. A liberdade é, então, um acontecimento bondoso e amável [cf. 2, 15.17]; tal é, realmente, o caminho [exigente] da santidade [cf. 1,15s; 3,11], cujo trilho será julgado por Deus [cf. 1,17; 4,5].

a) Liberdade no seu contexto próximo (1 Pe 2,11-25, e em particular o v. 16)

O trecho 2,11-25 pretende afirmar o sentido do agir, fundado que está no apelo de Cristo [cf. 2,21], o justo sofredor que, em fazendo o bem – i. é, a vontade de Deus [cf. 2,15] – suportou toda a nossa fraqueza [cf. 2,24s.]. Deste modo, o cristão, forasteiro no mundo [cf. 2,11], há-de suportar os insultos que tal estranheza benfazeja lhe alcança [cf. 2,12], calando a maldade com a bondade (desconcertantemente submissa) [cf. 2,15.18.20b]. Com efeito, a condição estrangeirada resulta dessa insólita liberdade que, ao invés de arredar da sociedade (como se fora apátrida), convoca para uma presença amável [cf. 2,16s.], eventualmente capaz de comover os demais para que louvem, também eles, a Deus [cf. 2,12]. A liberdade dá-se precisamente nesse dinamismo vocacional paradoxal, por que o cristão (como Cristo) é elevado enquanto se reclina, submisso, sob o peso dos outros [cf. 2,21.24]. Deste modo, ser homem livre é ser como Cristo [cf. 2,21]: tal é a liberdade cristã.

Agindo «como livres e não tendo como pretexto da maldade a liberdade, mas como servos de Deus» (1 Pe 2,16)

A pertinência do tema da liberdade resulta evidente quando à vista da questão radical do como ser cristão (com a qual se depara toda a experiência cristã autêntica), agudizada naquele contexto não apenas de começo (com tudo o que isso tem de arriscado, porque inexplorado) mas ainda de estranheza (social, política e – naturalmente – religiosa), num período em que a diferença específica ia emergindo (mesmo que à custa de atritos). A descoberta da identidade nova que o cristianismo aportava exprimia-se na condição de humanidade livre. Mas, mais do que isso, a construção dessa identidade palpita dessa mesma liberdade cristiforme, de tal modo que ser cristão e ser livre dizem, fundamentalmente, essa mesma condição dinâmica que o seguimento [obediencial] de Cristo [o Servo liberal] promove.

Faremos a análise do tema liberdade em três tempos: a) elucidação do termo no contexto próximo; b) breve esboço do seu campo semântico no contexto remoto (i. é, no conjunto da carta); c) finalmente, em jeito conclusivo, apresentaremos uma leitura da carta à luz do mesmo tema.

Pode um estrangeiro ser livre?

Toda a estranheza provoca um mal-estar (ou um estar sem jeito) pelo pressentimento íntimo daquele desfasamento que nenhum gesto poderá ocultar (por melhor que seja a mímica). Mais: a estranheza embaraça, colocando sob ameaça o estranho, tal o risco da proscrição. Porém, não será que há uma certa estranheza que surge, precisamente, do facto de se ser livre? Não será todo o liberto um estranho? um desfasado? um vago ciente da sua atopia (porque habitante dessa – saudosa – terra sem chão)?
Ocupar-nos-emos, então, brevemente, do eleutério conceito (no quadro da primeira Carta de Pedro – 1 Pe 2,16), tendo como pano de fundo a tensão que todo o estrangeirado conhece, que é a de ser um deslocado desperto para aqueloutro local que a saudade invade.

O Juízo final e a Carta de S. Tiago

Também a Carta de Tiago dá uma grande importância ao anúncio do Juízo final, tal como todos os escritos da pregação apostólica. Em comparação com a 1ª Carta de Pedro, o termo surge mais vezes: 11 ocorrências. Dela, destaco os seguintes elementos:
1. A Carta de Tiago apresenta o Dia do Julgamento como uma realidade iminente: “Olhai que o Juiz já está à porta” (Tg 5,9) e apela à conversão.
2. De forma mais evidente do que a 1ª Carta de Pedro, refere que o critério que será usado no Dia do Juízo final é o da Lei da liberdade para os que receberam o Evangelho (Tg 2,12). Os critérios perversos com que os homens julgam são, assim, denunciados (Tg 2,4).
3. Também a exemplo da 1ª de Pedro afirma claramente que cada um será julgado conforme a medida que tiver aplicado aos outros (Tg 2,13).
4. Na Carta de Tiago afirma-se vivamente a superioridade do Julgamento divino: há um só legislador e juiz, aquele que pode salvar e condenar. Por isso pergunta o autor: Quem és tu, para julgar o teu próximo (Tg 4,12)?
5. Em Tg 3,1 fala-se de um Julgamento mais severo para os cristãos. A perfeição é exigida e, no contexto em que está inserida esta afirmação, ela é alcançada pelo domínio da língua.
Após esta breve e concisa análise à Carta de Tiago a partir do termo Julgar/Julgamento penso ser evidentes as semelhanças com a 1ª Carta de Pedro. Aliás, como foi referido no início, é um tema comum a todos os escritos da pregação apostólica.

A título de conclusão, considero também que o termo e tema do Juízo Final é uma das características mais preponderantes e constituintes da identidade das comunidades cristãs nascentes. Colocado no horizonte de cada cristão, ele torna-se como que o momento decisivo da vida humana: ser salvo ou ser condenado. E esse julgamento tem já lugar na vida terrena, mas a sua consumação é revestida de um carácter escatológico, vivamente presente na 1ª Carta de Pedro e na Carta de Tiago.

A klhronomia de Deus (Herança)

A palavra escolhida, “herança” (kleronomia) aparece uma única vez na 1ª Carta de Pedro e não aparece na Carta de Tiago. No entanto encontramo-la no Novo Testamento por 14 vezes.
Kleronomia provém de kleronomos ou seja, uma herança, uma propriedade recebida ou a receber por herança. É aquilo que é dado em possessão.
Neste contexto é a eterna bênção do reino de Deus que é esperado após o regresso de Jesus Cristo. A parte que cada um terá nesta bênção eterna, segundo promessa veterotestamentária feita aos padres no Antigo Testamento.
Revelação.
Mas o acto de crer implica o ouvir e também o crer. Estas duas dimensões juntas é que nos permite o verdadeiro acesso à Revelação. Para chegar a isto o homem tem de dar a sua própria resposta e se manter ligado à Palavra de Deus.
A fé é uma atitude fundamental do cristão. Temos também de lembrar que é uma virtude teologal, que faz com que o homem tenha acesso à Palavra e a Revelação. Como diz o teólogo P. Rousselot, são os olhos da fé, que tornam possível que o homem descubra a presença reveladora de Deus na história da humanidade.
Revelação.
O homem só chega a revelação através da fé, que é dom de Deus e resposta do homem. Contudo, o homem está radicalmente preparado para esta resposta gratuita, já que esta aberto ao transcendente e à sua possível manifestação reveladora. Este é capaz de escutar a palavra de Deus. No entanto, é ouvinte da revelação .
O homem é dado como potência obediencial ou como capacidade receptiva, isto nos “permite ou leva” a caracterizar a abertura que o homem tem para Deus. Quanto a esta posição, o homem é um horizonte infinito. Basta apenas que este tenha disponibilidade e desejo de acolher.

Esperança

A palavra que escolhi foi a palavra esperança. E a propósito da minha palavra quero partilhar um poema de um poeta françês Charles Péguy que escreveu um livro muito bonito sobre a esperança que se intitula: "O mistério da esperança". Neste poema ele deixa Deus falar acerca da esperança:
"O que me supreende, diz Deus, é a esperança
Deixa-me extremamente maravilhado.
Esta pequena esperança, que não se parece com nada.
Esta jovem rapariga esperança.
A imortal."
(Charles Péguy, Das mysterium der Hoffnung, Viena 1952, página19.)

02/06/2007

A palavra "Fé em I Pedro e o conceito "Paroikos"

Na primeira carta de São Pedro, a palavra "fé" está ligada à palavra "Amar". Isto explicada
na sua exortação para "amar os irmãos na fé". O termo "irmãos" que Pedro usa neste contexto não tem nada a ver com o conceito de irmãos no sentido familiar (irmão de sangue), mas trata-se de um conceito que está em aberto, isto é, a tratar todos aqueles que vivem na terra como irmãos em cristo.
A dimensão eclesiologica neste contexto é muito claro. Ora, a eclesiologia de Pedro é uma ecelesiologia universal. Refere-se no fundo àqueles que reunem em nome de cristo e que aderiram à Palavra de Deus. Nesta comunidade unida por Cristo existe uma igualdade entre as nações. Já não há os nativos nem os estrangeiros. Existe só um povo que é o Povo de Deus, o povo reunido pela fé em Jesus Cristo. Os estrangeiros (paroikos) já não são intitulados como os de segunda classe, mas é como irmãos na fé. Por isso, Pedro convidou que amasse os irmãos na fé.
O amor baseado na fé segundo Pedro não é o amor humano, mas é o amor de própiro Deus. Deus é amor e, o amor de Deus é o amor universal, o amor que abarca toda a gente independentemente da sua raça, cultura e do seu país. Todos estão unidos em Cristo.

A 1ª Carta de Pedro e o Dia do Juízo Final


Sobre o peso que o termo Julgar (crinein) tem na 1ª Carta de Pedro destaco os seguintes elementos:
1. Este termo e seus derivados surgem 6 vezes na 1ª Carta de Pedro. Apesar das poucas vezes que ocorre, é atribuído ao anúncio do Juízo uma grande importância: Deus fixou um Dia para julgar o universo com justiça por meio de Cristo que Ele ressuscitou dos mortos (1Pe 4,5).
2. A eminência do Juízo dita o comportamento que convém ter, pois o julgamento começa na casa de Deus (vimos nas aulas a importância do termo Casa – oikos; define, pois, a comunidade cristã como verdadeiro templo da Nova Aliança, consagrado pela inabitação do Espírito Santo, que vem substituir o Templo de Jerusalém) antes de se estender aos ímpios (1Pe 4,17).
3. O Dia do Julgamento e seu desfecho têm como critério essencial acreditar no Evangelho de Deus. Se o justo dificilmente se salva, qual será a sorte do ímpio e pecador (4,18)?
4. Também se afirma claramente que cada um será julgado segundo as suas próprias obras, sem fazer acepção de pessoas (1Pe 1,17) e sem esquecer que o critério fundamental é acreditar no Evangelho, acreditar na Palavra, testemunha viva de Cristo.
5. Na 1ª de Pedro assistimos também a um convite insistente ao temor de Deus como forma de prevenção para o Dia do Julgamento, no qual todos serão julgados segundo os seus actos (1,17; 2,17).
6. Em 1Pe 4,6 encontramos também uma importante distinção entre o juízo dos homens e o juízo de Deus: o primeiro é associado à vida corporal e o segundo à vida espiritual, que cada cristão é chamado a viver. Efectivamente, é o juízo de Deus que deve estar no horizonte do cristão, pois só Ele tem o poder para julgar os vivos e os mortos (1Pe 4,5).
Por tudo isto pode concluir-se que o tema do Julgamento escatológico está no horizonte da 1º Carta de Pedro, pautando o agir da comunidade nascente. É para o Dia do Julgamento que o cristão se deve preparar e orientar a sua vida, pois dele depende a Salvação. Acreditar no Evangelho, na Palavra, é o meio privilegiado para preparar esse Dia!

01/06/2007

Obediência


A submissão de Jesus á sua Mãe e ao seu pai legal foi o cumprimento perfeito do quarto mandamento. É a imagem temporal da sua obediência filial ao Pai celeste. A submissão diária de Jesus a José e a Maria anunciava a antecipava a submissão de Quinta-feira Santa: « Não se faça a minha vontade[…] A obediência de Cristo no dia, dia da vida oculta, inaugurava já a recuperação daquilo que a desobediência de Adão tinha destruído.
Jesus Cristo Nosso Senhor, Nosso Rei, obedeceu ao Pai, e foi levado como manso cordeiro á morte na Cruz.
Como pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, muitos se tornaram justos ( Rom 5,19 ). Pela sua obediência até a morte, Jesus realizou a acção substitutiva do Servo Sofredor, que oferece a sua vida como sacríficio de expiação, ao carregar com o pecado das multidões, justifica carregando Ele próprio com as suas faltas.
Como por sua obediência Jesus Cristo o Senhor se revestiu de todo o poder no céu e na terra, Ele tem direito á obediência de toda criatura.
É por Ele, pela obediência ao seu Evangelho e a palavra de sua Igreja que o homem atinge a Deus na fé que escapa á desobediência original e entra no Mistério da Salvação; Jesus Cristo é a única lei do cristão. Esta lei inclui também a obediência ás autoridades humanas legítimas, pais, senhores, esposos, poderes públicos, reconhecendo em toda a parte a autoridade de Deus.
Mas nunca obedecer senão para servir a Deus, o Cristão é capaz de, se preciso, enfrentar uma ordem injusta e obedecer a Deus antes que aos homens.

Julgamento (Parte II - Uso no AT)

A maneira como o NT concebe o julgamento que Cristo faz no último dia só se entende em função dos desenvolvimentos anteriores, presentes no AT. O próprio julgamento ou juízo de Deus era já um artigo de fé no AT: a sua história ostentava uma porção de exemplos concretos do mesmo e a sua escatologia implicava a sua realização.
Atendendo à raízes spt e mispat verifica-se um conjunto muito diverso de significados possíveis para crinein. Contudo, a ideia fundadora, comum a todo o povo semita, é a de que Deus é o verdadeiro juiz. Isto justifica o facto de a relação com Deus no AT ser concebida em termos vincadamente jurídicos. Soberano e juiz, Deus apropriou-se do seu povo ao estabelecer uma berit (aliança) com ele; deste modo o julgamento de Deus pertence e tem sempre como horizonte a Aliança estabelecida com Deus e é elemento indispensável para obter a salvação.
No interior do AT o julgamento de Deus toma várias tonalidades. Aparecendo como um acto quase exclusivamente jurídico e próprio de uma relação causa-efeito própria da lei da retribuição provocado pela realidade do pecado que afecta a todo o homem, o conceito adquirirá, sobretudo com os Profetas, o significado de Graça e de Misericórdia. Entendido o povo de Deus (o resto de Israel) como um povo oprimido, o julgamento de Deus chega a corresponder ao conceito de amar, pois Deus faz justiça aos indefesos através da justiça divina (Dt 10,18).
Entendido o conceito no seu sentido mais lato, o acto e realidade do julgamento tornou-se a definição abreviada da Revelação de Deus, que constitui o fundamento da relação de Deus seja com o seu povo, seja com todo o homem concreto.

Bem vs Mal, pela positiva!

No entanto, o autor da 1ª Pedro opta por guiar os cristãos dando-lhes mais orientações positivas do que negativas (não havendo um paralelo estrito entre o bem e o mal). Isto porque além de pretender criar uma pertença, deseja também fortalecer a comunidade nos seus laços e animá-la na perseverança. Para tal não poderia apenas elencar um conjunto de coisas negativas às quais teriam que se opor e resistir, pois poderia levar a um pessimismo e desânimo. Opta principalmente pela positiva. Exorta dando ênfase ao que podem fazer e ser como sendo um bem. Bem este que se realiza em confronto com os valores que caracterizam a sociedade em que se inserem. Bem este que configura com Cristo. «Todos vós, conforme o dom que cada um recebeu, conservai-vos ao serviço uns dos outros, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus»4,10.

Bem vs Mal

O binómio bem – mal está também (e principalmente) presente na 1ª de Pedro de forma indirecta, sem que claramente sejam usados os termos bem e mal, nas suas diversas formas gregas. Porém, o autor cria uma identificação com Cristo afirmando quais as acções que devem realizar e quais as que se devem abster e até combater. Os imperativos são uma constante nesta exortação que define a especificidade dos cristãos.
Vou apenas dar alguns exemplos desta oposição que procura uma definição:
«Por isso, com prontidão de espírito, sede sóbrios e ponde toda a vossa esperança na graça que vos será trazida por ocasião da Revelação de Jesus Cristo [vs] como filhos obedientes não consintais em modelar vossa vida de acordo com as paixões de outrora, do tempo da vossa ignorância»1,13-14.
«Pois sabeis que não foi com coisas perecíveis […] que fostes resgatados da vida fútil que herdastes dos vossos pais, [vs] mas por sangue precioso, como de cordeiro sem defeitos e sem mácula de Cristo […]»1,18-19.
«Fostes regenerados, não de uma semente corruptível [vs], mas incorruptível, mediante a Palavra viva de Deus, a qual permanece para sempre»1,23.
«Amados, exorto-vos, como a estrangeiros e viajantes neste mundo, a que vos abstenhais dos desejos carnais que promovem guerra contra a alma. [vs] Seja bom o vosso comportamento entre os gentios[…]»2,11-12

«Afaste-se do mal e pratique o bem»

O autor da 1ª Carta de Pedro ao definir a identidade distinta dos cristão no mundo tanto usa directamente o binómio bem - mal como o usa indirectamente num paralelo onde exprime o que devem e o que não devem fazer, dando-lhes directrizes para o seu caminhar, animando-os na sua estranheza face ao mundo que os rodeia.
Primeiramente vamos analisar de que forma o autor usa directamente o binómio bem - mal. Este exorta os cristãos para que permaneçam firmes no bem e se abstenham do mal: «afaste-se do mal e pratique o bem, busque a paz e siga-a.»3,11. Pois a vontade de Deus é que pratiquem o bem e que sejam por ele reconhecidos: «seja bom vosso comportamento entre os gentios, para que, mesmo que falem mal de vós, como se fosseis malfeitores, vendo as vossas boas obras, glorifiquem a Deus, no dia da sua visita»2,12; «pois esta é a vontade de Deus, fazendo o bem, tapeis a boca à ignorância dos insensatos»2,15. Uma vez que «será melhor que sofrais – se esta é a vontade de Deus – por praticardes o bem do que praticando o mal»3,17.
O mal é, portanto, contrário à vontade de Deus: «porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e seus ouvidos estão atentos à sua prece, mas o rosto de Senhor se volta contra os que praticam o mal»3,12, logo «não pagueis mal por mal, nem injúria por injúria; ao contrário bendizei, porque para isso fostes chamados, isto é, para seres herdeiros da benção»3,9.
Este binómio ilumina o todo da carta na medida em que explicita que a exortação se realiza num movimento paralelo que permite tanto que os cristãos se identifiquem com o bem como se distanciem do mal que os rodeia e alicia socialmente.