30/04/2007

Gamaliel (parte III)

Entre outras questões pertinentes, partilho duas delas: 1) Qual a razão que levou Gamaliel a tomar este discurso? 2) Se Paulo foi seu discípulo, em que aspectos da sua evangelização se podem notar as influências do seu mestre? Sem dúvida, duas questões bastante interessantes que merecem um tratamento bem mais exaustivo do que aquele que posteriormente e muito sucintamente farei.
Quanto à primeira pergunta, são várias as respostas propostas: a) Pretendeu, com suas palavras, opor-se aos Saduceus e levar ao fracasso os seus projectos; b) Por questões políticas, tentado controlar o Sinédrio face ao povo e aos romanos; c) Por um simples sentimento de rectidão natural; d) Ou, finalmente, por uma secreta inclinação para a nova doutrina. Quanto a esta última hipótese, embora não seja possível chegar a uma conclusão definitiva, desde bem cedo, a tradição da Igreja defendeu que Gamaliel abraçou a fé cristã e que continuou como membro do Sinédrio com o objectivo de ajudar secretamente os seus companheiros cristãos (Confissões de Clemente, I, 65-66). De acordo com Photius, foi baptizado por S. Pedro e S. João, juntamente com o seu filho e com Nicodemos. Acredita-se ainda que o seu corpo foi miraculosamente descoberto no século V e que se encontra em Pisa, Itália. Finalmente, como santo cristão, celebra-se o seu dia a 3 de Agosto, tal como Nicodemos. Contudo, há também a posição judaica que atesta que Gamaliel morreu como um bom judeu: “Quando ele morreu, a honra da Torah cessou e a pureza e piedade extinguiram-se” (Michná, Sota, IX, 16).
No que respeita à segunda questão, penso que é a mais interessante de todas: procurar descortinar no trabalho apostólico de S. Paulo alguns elementos ou influências adquiridas enquanto discípulo de Gamaliel. A este respeito deve referir-se que não é de todo possível determinar de forma segura o carácter teológico ou prático dos ensinamento do mestre de S. Paulo e, por conseguinte, também não é de todo fácil determinar quais as supostas influências do mesmo no apostolado de S. Paulo. Deste modo, seria necessário um trabalho mais apurado para responder a esta questão. Aqui, deixo apenas algumas decisões jurídicas que a Michná atribui a Gamaliel. São elas: A) Permitiu o segundo casamento a uma mulher, após confirmada a morte do seu marido, sendo necessária apenas uma testemunha (Tratado Yebamoth, XVI, 7); B) Modificou as condições da anulação do pedido de divórcio, não permitindo que ele se conceda sem o conhecimento da mulher e exige que se inscrevam no acto os nomes do homem e da mulher com todos os seus sobrenomes (Tratado Guitin, IV, 2). C) Afirma que a levedura profana caída na massa junto com a levedura de oblação, não torna a massa proibitiva se for suficiente para a fermentação (Tratado Orla, II, 2 – quem sabe se esta última alínea não seria um bom princípio de trabalho para explicar o apostolado de S. Paulo aos gentios e não aos judeus, dado o esforço de Gamaliel em levar os judeus a abrirem-se aos gentios!) Terminando, trata-se, sem dúvida, de um personagem muito interessante e que merece um estudo mais detalhado e profundo.

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