31/03/2007

A FAMÍLIA E OS AMIGOS DE CORNÉLIO

Sob a solicitação feita pelo Prof. Tolentino na última aula (22/03/07), anuncio que a personagem secundária escolhida para o meu estudo pessoal é a Família e os amigos de Cornélio, segundo aparece em Act 10, 24: «No dia imediato chegaram a Cesaréia. [isto é, Pedro com três homens vindos da Cesaréia e os irmãos de Jope; Cf. Act 11, 11-12] Cornélio os estava esperando, tendo já convidado os seus parentes e amigos mais íntimos».

Desenvolvimento
Lugar geográfico: Cesaréia, formosa cidade portuária helenista, situada a cerca de 48 km de Jope, foi capital da Palestina durante 600 anos. Construída por Herodes o Grande em 37-34 a.C., a partir do ano 6 d.C. foi lugar dos quartéis gerais dos centuriões romanos, inclusive Póncio Pilatos (26-36 d. C.), quando começaram a governar a Judeia. Ora, segundo Act 10,1, Cornélio era centurião da corte chamada «italiana». Contudo, isto parece um anacronismo, uma vez que o primeiro testemunho que temos da «corte italiana» é de Síria (69 d.C.), e não há provas de que houvesse um destacamento romano em Cesaréia antes da morte de Agripa I (44 d.C.).
Cf. Raymond E. Brown, Josef A. Fitzmeyer, Roland E. Murphy (eds.), Nuevo Comentário Bíblico San Jerónimo. Nuevo Testamento, Verbo Divino, Navarra, 2004, p.238.
Lugar teológico: os capítulos 10-11 de Act representam o ponto de viragem para a legitimação da Igreja pagão-cristã. Se em Act 9 se narra a conversão de Paulo, aqui aparece a conversão de Pedro: na visão de Act 10, 9-16, precedida pela visão de Cornélio (Act 10, 1-8), Pedro é chamado a acreditar no inacreditável, a saber, que a mesma experiência do Pentecostes no Cenáculo (Act 2, 1-13), e portanto em ambiente judaico, dá-se também em casa de pagãos (Act 10,44-48). Pedro é chamado a fazer uma leitura da realidade: «Ora, apenas começara eu a falar, caiu o Espírito Santo sobre eles, assim como nós no princípio. Lembrei-me então desta palavra do Senhor: ‘João, na verdade, baptizou com água, mas vós sereis baptizados com o Espírito Santo’. Portanto, se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós, que cremos no Senhor Jesus Cristo, quem seria eu para poder impedir a Deus de agir?» (Act 11, 15-17).
A Família romana: organizava-se à volta da figura do Paterfamilias, cuja pátria potestas ou dominium exercida na domus caracterizava-se pelo exercício de um poder absoluto não só sobre os filhos, mas também sobre os servos e os outros que habitavam com ele, segundo o conceito alargado que caracteriza a família romana. Trata-se portanto de um dominium não de ordem biológica mas sim jurídica. O seu papel era o de garantir a tradição dos antepassados preparando o jovem para a vida pública. Igualmente estava investido no ministério sacerdotal, em relação à religião familiar, pertencendo-lhe oferecer sacrifícios aos Lares e aos antepassados (Penates). [Cf. J. Geraldes Freire, «Pater famílias», in Enciclopédia Verbo Luso-Brasilera de Cultura, Editorial Verbo, Lisboa - São Paulo, 2002, volume 22, p. 358]. Afirma Plínio Jovem: «Segundo uma tradição antiga, devíamos aprender com os olhos e com os ouvidos os costumes que, por sua vez, deviam tornar-se nossos e que nós devíamos transmitir aos descendentes... Cada um tinha no seu pai um mestre e, se não tivesse pai, podia encontrar um pai no mais prestigiado e ancião dos senadores» (Ep. VII, 14, 4-5).
Desta forma, poderia avançar com uma conclusão: se em Act 10,44 afirma-se que «o Espírito Santo caiu sobre todos os que ouviam a Palavra», onde por «todos» se entende exactamente os que estavam em casa de Cornélio, então a conversão dos familiares e amigos de Cornélio passa pela sua conversão pessoal. Isto que dizer que, sendo ele o Paterfamilias, a sua adesão ao cristianismo implica a dos seus familiares, sobre os quais também caiu o Espírito.

A novidade do cristianismo

Lídia recebe o baptismo com toda a sua família e acolhe, em sua casa, Paulo e os seus colaboradores. Deste momento nasce a primeira Igreja da Europa, uma Igreja doméstica, chefiada por uma mulher.

Entre os judeus, para que haja assembleia e celebração na sinagoga são necessários dez homens. Se o cristianismo começou por ser a afirmação do Judaísmo, depressa rompeu com ele: em vez da sinagoga temos a casa de Lídia; em vez da exigência de dez homens temos pessoas em sintonia com o que Jesus disse: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome...” (Mt.18,20); em vez de uma assembleia só de homens temos uma assembleia de iguais; em vez de uma assembleia dependente da raça temos uma comunidade de irmãos, pois Lídia era pagã e acolhe judeus em sua casa.

Grande é a novidade e o desafio que o cristianismo transporta consigo: Jesus Cristo e a sua Boa Nova!

Paulo expulsa o espírito pitónico

Depois de ler o post anterior, não é preciso ter um espírito pitónico para começar a descortinar um pouco da polémica de Act 16,16-40.
Lucas relata-nos a existência de uma escrava que possuía dos deuses um poder adivinhador e que é interpretado no relato lucano como poder demoníaco. Veja-se que as palavras que Paulo dirige à mulher são típicas dos exorcismos de Jesus. Em Lc 4, 34 Jesus expulsa um demónio de um homem na sinagoga de Cafarnaum. O demónio que Jesus expulsa sabia quem Ele era, tal como o sabia o espírito pitónico da mulher, que se torna também “apóstolo” dos gentios ao afirmar “que estes homens vos aunciam o caminho da salvação”. Paulo expulsa o espírito «no nome de Jesus». Como já vimos nas aulas, os milagres e prodígios são sempre feitos no nome de Jesus, e não por nenhum poder especial dos apóstolos ou de algum espírito que os “possuísse”, como era tão do agrado daquelas culturas dadas à superstição.
Esta expulsão demoníaca leva à falência os amos desta escrava. Como já vimos no post anterior a importância económica que tinham os oráculos na cultura grega era enorme pelas taxas que implicavam, pelo material que era necessário comprar, pelos tesouros que eram oferecidos, etc. São estes amos falidos que se vão queixar de Paulo e Silas às autoridades romanas, acusando-os de destabilizadores da ordem social romana. Esta queixa leva Paulo e Silas à prisão por uma noite, depois de terem sido indevidamente açoitados, por serem cidadãos romanos. No dia seguinte quando tiveram conhecimento disto, as autoridades pediram-lhes desculpa e rogaram-lhes que saíssem da cidade.

O espírito pitónico


A escrava que nos aparece em Act 16,16 na cidade de Filipos, na Macedónia, está possuída dum espírito pitónico. Vamos então perceber que espírito é este.
“Espírito pitónico” é um termo que se refere à Pitia, Sibila ou Pitonisa, profetiza que em Delfos consultava Apolo, o primeiro dos deuses adivinhatórios, no templo a ele dedicado. Tudo isto porque em Delfos Apolo venceu a serpente Piton (daí o seu cognome “pítio”). Nesta cidade instalou Apolo estes oráculos, que se tornaram famosos. Estes podiam revelar o destino, mas não o podiam mudar; segundo a concepção grega os deuses, através dos oráculos, podiam retardá-lo, mas sobretudo pressenti-lo e comunicá-lo de forma velada aos mortais. Até um discípulo de Sócrates (o filósofo) consultou o oráculo de Delfos que lhe revelou que o seu mestre era o mais sábio de todos os homens. Foi a partir deste oráculo que Sócrates começou a ensinar.
Os oráculos eram muitas vezes dados não em visões mas em transes e êxtases, ou “en-theo-siamos”. Foi talvez o “entusiasmo” da escrava de Actos 16 que enfadou Paulo!
Para os consultar, era preciso pagar taxas e muitas vezes realizar sacrifícios. Aqueles a quem os oráculos favoreciam também ofereciam muitos tesouros. Daí vem a grande prosperidade económica que se gerou à volta do santuário oracular de Delfos e que favorecia os seus mais directos responsáveis.


Imagem: Templo de Apolo, Delfos, Grécia (séc. IV a.C.).

O mundo de Prisca e Áquila: Roma, Corinto e Éfeso

A partir do documento Lucas-Actos, empreendimento cultural que reflecte uma esfera social judaica expressando-se em grego, a língua franca do mundo mediterrânico do século I, e a partir do personagem Prisca – Áquila, podemos entrever o contexto social em que se desenrolam os acontecimentos que levam à disseminação e implantação do cristianismo das origens. O itinerário de Prisca e Áquila é representativo da forma como se propaga o cristianismo nascente: 1) pela concentração nas cidades; 2) pela dispersão devido a perseguição, e 3) através das viagens. Com efeito, Áquila, judeu do Ponto, e sua mulher são cristãos de Roma expulsos em 49 sob Cláudio por se manifestarem vigorosos apoiantes da nova seita e provocarem conflitos; fixam-se em Corinto, onde acolhem Paulo, que com eles trabalha e convive durante os dezoito meses de permanência nessa cidade portuária, e acompanham o Apóstolo a Éfeso, onde de novo lhes confere o privilégio de receber hospitalidade durante nova estada prolongada. (É duvidoso que tenham regressado a Roma, e o seu martírio faz parte da lenda.) Os 11 primeiros capítulos de Actos dão um vivo relato da heterogeneidade dos convertidos ao cristianismo, a população típica das cidades cosmopolitas do Mediterrâneo Oriental, que não é constituída nem pela elite nem pelos “proletários” trabalhadores agrícolas, mineiros e pastores, mas pelos artesãos (produtores de tendas, ourives, etc.) e os comerciantes dos seus produtos. No entanto, se bem que mostre respeito pelo trabalho manual, o autor heterodiegético de Lucas - Actos assume a postura social de comunicar com pessoas de estatuto social mais elevado, o que explica a dedicatória nos prólogos, a preocupação de ostentar a cultura de alguns personagens principais, nomeadamente Jesus e Paulo, e também a apresentação de uma atitude favorável das autoridades romanas – políticas, militares e judiciais - em relação aos cristãos individualmente, mas mantendo distância social em relação ao cristianismo. É um equilíbrio instável, uma delicada posição de “estrangeiros” subordinados àqueles que dominam o sistema e de latente conflito com os judeus. Os representantes do sistema político, militar e legal do Império Romano que protegem os cristãos são os mesmos que os aprisionam. Chegado a Roma, Paulo pode receber os seus e todos os que o procuram e anunciar-lhes o Evangelho, mas encontra-se em prisão domiciliária. E, surpreendentemente, é neste clima de insegurança que se vai criar uma rede de comunidades cristãs que desabrochará numa Igreja universal.
(Robbins, Vernon K., “The social location of the implied author of Luke – Acts” in Neyrey, Jerome H., editor, The social world of Luke – Acts, Models for interpretation.)

30/03/2007

Figura escolhida

Gamaliel


Act 5,34. Mas, levantando-se no conselho um certo fariseu, chamado Gamaliel, doutor da Lei, venerado por todos o povo, mandou por um pouco levassem para fora os apóstolos;

Gamaliel era um homem, fariseu, com posição notável no conselho, o que significa seguramente que foi um judeu estudioso com grande reputação em Jerusalém, que para além da sua intervenção e tomada de posição, neste caso pontual, (Act 5,34), também foi o educador de S. Paulo, o apóstolo. (Cf. Act 22,3).

Mudança de Personagem: Bar-Jesus

Falando com o professor foi me concedido a autorização para escolher outra personagem que já me tinha suscitado muita curiosidade e que passa um pouco ou quanto despercebido: Bar-Jesus. A razão que também me levou a escolher outra personagem foi o facto de terem escolhido a mesma personagem depois de já o ter escolhido. Também foi perante o desafio que o professor nos colocou na busca de informação, no aprofundadamente das poucas características que nos são dadas no texto dos Actos dos Apóstolos.

Já agora desejo a todos uma Santa Páscoa.

Actos dos Apostolos

Actos e Epistolas


O autor dirige um relato à um amigo de Deus, onde acentua a Ascensão do Senhor Jesus e a acção do Espírito Santo sobre os apóstolos antes das missa.
Na primeira parte do Cap. 1 A ascensão do Senhor Jesus: os apóstolos, esperavam uma restauração temporal do reino.
O grupo dos (11) mantinha-se junto à Maria mãe de Jesus, ao qual se tinha juntado mais algumas pessoas que abraçaram a fé. De entre estes escolheu-se um para completar o grupo em substituição do lugar que judas deixou.
O dia de Pentecostes que dá o início da missão, uma vez que a acção do Espírito Santo fez com que os presentes recebessem o dom de falar cada um uma língua que cada estrangeiro pudesse escutar a Boa Nova na sua língua de Origem. É a Igreja em movimento.
Pedro à cabeça do grupo dos apóstolos anuncia o Keigma ás multidões: muitos dos presentes, interpelados pela Palavra, reconheceram-se pecadores, abraçaram a fé e proferiram mudar de vida. Começam-se a formar as primeiras comunidades, que vivia unidos em tudo, na oração assim coam partilha dos bens. Surgem assim sinais e prodígios. Os apóstolos são perseguidos, presos, açoitados, assim como as libertações miraculosas. O martírio de Estêvão, um dos sete (7) eleitos mais tarde, os cristãos sã perseguidos com maior fúria, o que dá origem a uma expansão do cristianismo pelo mundo fora, convertendo judeus e gentios: ressaltando o Baptismo do eunuco Etíope. A evangelização aos Samaritanos por Filipe, a conversão de Saulo, que é Paulo cristãos. Contudo que acaba por ser um dos impulsionadores da evangelização nas territórios onde ela perseguia os, também aparecem infiltrados que anunciam que a conversão passa não só pelo baptismo mas pela circuncisão o que veio a provocar cisões no seio dos apóstolos em Jerusalém e em Antioquia. Para resolução destes conflitos surgem os Concílios de Jerusalém que unem os cristãos, dando origem a duas frentes de evangelização. Uma para os judeus tendo à cabeça Pedro e outra para os gentios com Paulo e Barnabé. A expansão do cristianismo deu origem a viagens por terra e por mar, com todos os riscos.
O autor dos Actos relata a prisão de Paulo, como a prisão de Jesus, isto é, com o povo a determinar o fim do apóstolo, como aconteceu com Jesus.

A V parte que narra o fim das missões de S. Paulo, a suas viagens e em particular como é narrado as viagens realizadas até Roma, há um “NÒS” que convida o leitor a participar na viagem pois ela está cheia de muitos permenores em relação aos acntecimentos: como o barco que encalha e começa a afundar lentamente dando a oportunidade aos viagentes de se salvarem, até mesmo aqueles que n~qo sabem nadar.

António Barbosa Rodrigues: aluno nº 110100075.

27/03/2007

DEMÉTRIO: lá se vai o lucro... ( Act 19, 23 ss)

Encontramo-nos na Ásia e mais uma vez os cristãos estão a causar problemas: (“não pequeno tumulto”). Demétrio, construtor de santuários de Ártemis em prata, e que proporcionava aos artífices lucrativos negócios, sente o seu negócio ameaçado por um Paulo que não só em Éfeso, mas em toda a Ásia, anda a convencer e a desviar imensa gente, “ afirmando que não são deuses os que são feitos pelas mãos do homem”. Claramente, Demétrio afirma que “ isto não só faz correr o risco de cair em descrédito a nossa Indústria, mas também de se reputar como nada o templo da grande deusa Ártemis”[1]. Demétrio não fica só nesta luta concorrencial, pois a assembleia, depois de o escutar, além de em altos brados louvarem Ártemis, expulsam do teatro, os macedónios Gaio e Aristarco, companheiros de Paulo criando verdadeira confusão. Há tentativas de acalmar, esclarecer e responsabilizar a assembleia, recordando que se Demétrio e os artífices têm alguma queixa contra alguém que há audiências públicas e procônsules...
[1]
Ártemis era uma deusa grega , filha de Zeus e Leto, irmã gêmea de Apolo, o deus sol, e considerada uma divindade lunar, retratada como uma destemida virgem caçadora...

João Marcos: auxiliar e colaborador de Missão na Igreja nascente

Os traços característicos deste personagem do Novo Testamento são determinantes para compreender a função que desempenhou na vida da comunidade dos discípulos. Em primeiro lugar, a sua origem helénica mostra que tinha uma bagagem intelectual e, sobretudo cultural invulgar. Isso explica-se pela sua integração rápida na vida do núcleo constitutivo da Igreja nascente. Mas a sua presença ao lado do seu primo Barnabé (Col 4, 10) parece muito importante porque, João Marcos dominava, provavelmente, as principais línguas faladas no Império romano: o grego (por que é originário de Chipre, como o seu primo Barnabé), o aramaico (língua popular falada na Palestina) e o latim. Também, índices textuais mostram que este discípulo jovem era de uma família rica, (Act 12, 12). De facto, numa Palestina devorada por vários anos de crise socio-política e económica e, por cima de tudo ocupada pelas forças estrangeiras, dispor de uma casa que tivesse condições suficientes para acolher muitas pessoas significava, naquela época, pertencer á classe aristocrática. Daí, compreende-se porque, Pedro, depois de se escapar milagrosamente da prisão não se dirigiu a uma outra casa, senão à de “Maria, mãe de João, de sobrenome Marcos, onde numerosos fiéis estavam reunidos a orar” (12, 12). Esta casa, pois, foi um dos centros da vida da igreja primitiva de Jerusalém, e é normal supor que o jovem Marcos teve que vê-la crescer desde a sua infância; assim, conseguiu entrar em contacto com aqueles discípulos que “eram considerados como autoridades” (Gl 2, 6) no seio da comunidade. Provavelmente, João Marcos era um discípulo pouco experimentado, por isso aparece aqui, apenas como auxiliar da missão de Evangelização (Act 13, 5). No início da 2ª viagem, Paulo achou inoportuno o acompanhamento de Marcos, em qualidade de “ajudante” uma vez que se tinha separado deles para voltar para Jerusalém (13, 13). Isso desencadeou uma discórdia entre Paulo e Barnabé (15, 39) que os leva a se separar um de outro. Mas, esta discórdia parece não demorar por muito tempo, porque vê-se, alguns tempos depois, Marcos ao lado de Paulo no seu cativeiro romano, como colaborador, juntamente com Epafras, Aristarco, Demas e Lucas. Marcos aparece como “filho” do autor da Primeira Carta de Pedro (escrita provavelmente em Roma: 1Pe 5, 13); isto confirma a relação que teria tido com o Apóstolo Pedro, desde a comunidade de Jerusalém.

Introdução: Será o protagonismo uma questão estatística?

Aparentemente, distinguir, numa narrativa, as personagens quanto ao seu relevo no interior da trama é um mero exercício de explicitação duma evidência que ressalta do simples percurso ocular por entre as linhas da história, assistido pela estatística da aparição nominal, donde resulta óbvio, de acordo com esta perspectiva (prevalentemente) quantitativa, que: o protagonista será o vencedor das nomeações; secundárias serão todas as personagens que, embora não dominando o palco, quando o pisam provocam, com o seu peso, uma oscilação assinalável; figurantes, a massa envolvente, parcamente descrita senão com pintalgadas soltas sobre a tela das cenas onde, emocionada, participa violenta (nos conluios da revolta) ou apaixonadamente (como se num uníssono suspiro de comoção).
Porém, sobra nesta abordagem o carácter insólito que nem a conveniência do filão dramático pode abafar que é o da complexidade da vida que as letras rabiscam. Com efeito, se uma narração discrimina as suas personagens não apenas nominalmente mas, e sobretudo, na infame acepção das gentes por que umas emergem como empolados cavalheiros de nobres roupagens e não menos altaneiras vontades, ao passo que outras, indigentes duma adjectivante simpatia, surgem rudes, disformes, moribundos de papel, não pode a imaginação ser cúmplice ao ponto de não discorrer que nenhum protagonista o seria se no parágrafo seguinte não saltasse uma mó espumando fealdade e fúria e ódio tais que àquele não restaria senão uma qualquer heroicidade que o fizesse notório o bastante para merecer do leitor o esforço de erguer o sobrolho de espanto.
O que, quanto a nós, distingue radicalmente um dos demais prende-se com a sua capacidade de, entre os protagonismos que as vidas várias necessariamente comportam (já que tanto o dito nobre cavaleiro de nobres vontades como as gentes que refilam a sua plana descrição comungam, na narração como na respiração, dessa incontornável exigência de existirem nominalmente, i. é, de serem tais, pessoalmente, não obstante a proliferação ou míngua de caracteres; enfim, todos somos protagonistas do cenário de pele e osso que nos toca), estabelecer com cada um uma qualquer relação (de asco ou apreço), como se fora pedra de tropeço dos muitos viandantes da história [cf. Daniel Marguerat, Yvan Bourquin, Cómo leer los relatos bíblicos, Iniciación al análisis narrativo, Santander, Sal Terrae, 2000, pp. 95-102].

Para exemplificar quanto vamos aqui dizendo, apresentamos dois casos narrativos consideravelmente diversos:


À espera de Godot,
obra-prima do dramaturgo, romancista e
poeta irlandês Samuel Beckett (1906-1989),
vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1969.



Being John Malkovich (1999),
um artifice de fantoches descobre um portal no seu escritório que lhe permite entrar na mente e vida de John Malkovich durante 15
minutos, o que considera como oportunidade para criar um pequeno negócio. Até que o próprio John Malkovich entra nesse portal…


No primeiro caso, a personagem que convoca a atenção dos espectadores como das personagens é esse ilustre ausente, Godot. Curiosamente, se acaso a determinação do protagonismo dependesse da presença cronometrada, decerto poderíamos acusar Samuel Beckett de intrujice. Contudo, e sem que nos detenhamos nos meandros de tal enredo, basta-nos reter essa imagem fundamental do quanto a primazia do protagonismo cénico (senão mesmo existencial…) resulta não da exposição mas da evocação comum dessa mesma condição expectante.
Já no segundo, apercebemo-nos da explosão do protagonismo, quando todas as personagens papagueiam instrumentalmente o nome daquele primaz.
Com isto procurámos evidenciar, em jeito de aproximação introdutória, o quanto o exercício de destrinça do papel dos personagens é tarefa delicada, não confundível com uma (simplista?) leitura quantitativa.
Posto isto, e ainda antes de nos debruçarmos sobre a personagem que elegemos dentre o elenco das (imensas) secundárias que povoam o livro dos Actos como protagonista deste breve estudo, apontaremos algumas questões que de certo modo justificam tal opção (porventura inesperada?), a saber: 1. numa narrativa onde as personagens surgem quase a cada parágrafo para desaparecer no seguinte, como determinar a preponderância entre elas?; 2. qual a razão que terá motivado o autor a apresentar um tal elenco de personagens?

Resumo dos Actos dos Apóstolos

Cristo Ressuscitou dos mortos! A experiência do Ressuscitado e o envio do Seu Espírito leva os apóstolos ao anúncio do Kerigma. Dão-se as primeiras conversões e a formação das primeiras comunidades cristãs assíduas ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fracção do pão e às orações, estando ligadas num primeiro momento ao culto sinagogal. A pregação dos apóstolos é acompanhada e confirmada com varias curas e milagres. Ao mesmo tempo, porém, as perseguições aumentam: é neste contexto que se situa o martírio de Estêvão, estando Paulo presente. Começou uma grande perseguição à Igreja de Jerusalém, que levou a uma dispersão pelas regiões da Judeia e da Samaria, sendo esta a segunda etapa de expansão do cristianismo. Entretanto Paulo, a caminho de Damasco, faz a experiência do Ressuscitado e de perseguidor torna-se anunciador. A Boa Nova é rejeitada pelo povo eleito dos judeus (os circuncisos) e é acolhida pelos gentios: dão-se os primeiros baptismos de gentios e a formação da Igreja em Antioquia por parte daqueles que tinham sido dispersos após o martírio de Estêvão. É aqui que os discípulos são chamados pela primeira vez com o nome de «cristãos». Neste ambiente desenvolve-se a controvérsia acerca da circuncisão daqueles convertidos ao cristianismo e, no Concílio de Jerusalém, se estabelece que Paulo irá pregar aos gentios, enquanto Pedro aos judeus. No entanto, acompanhamos as missões de Paulo, num primeiro lugar juntamente com Barnabé e, depois, com Silas. Nasce a Igreja em Coríntio, como consequência da ruptura do culto sinagogal. Paulo, a caminho de Jerusalém, será preso e deportado para Roma para aí ser julgado. Os Actos acabam ao descrever a instância de Paulo em Roma durante dois anos.

26/03/2007

Extra-catálogo: o poder de outras palavras

Hoje, a caminho de casa, reparei num “outdoor” a promocionar o Júlio César de Shakespeare. E, mesmo cheia de fome, não resisti a fazer o teste: ler os discursos de Bruto e de Marco António aos Romanos nos funerais de César para sentir se ainda hoje me inflamavam ou já não. Para minha alegria, Shakespeare continua enorme e eu, paupercula forma, não perdi a capacidade de deixar-me encantar. Bruto cometeu o erro fatal de dar a palavra a Marco António, tido até aí como um jovem desportista e desprovido de dotes oratórios. Mais: Bruto não só subestimou o poder da palavra como também se revelou fraco conhecedor da natureza humana ao dirigir à multidão um discurso abstracto, racional, como faria a um grupo de filósofos seus pares. A palavra de Marco António, altamente emocional (começa por apresentar ao povo romano o corpo esfaqueado e ensanguentado de César), ganha um ritmo quase hipnótico no uso do refrão “Bruto é um homem honrado”. A multidão vai inverter a sua posição: é a guerra civil. (Quando tiver tempo, vou procurar o filme de Joseph Mankievicz que vi numa longínqua “terça-feira clássica” no cinema Tivoli, para testar também se aquele assombroso Marlon Brando – Marco António ainda é tal.)

A ESCRAVA QUE TINHA UM ESPÍRITO PITÓNICO

Com as devidas autorizações anuncio hoje que vou mudar de personagem: vou deixar Cornélio e escolho “a escrava que tinha um espírito pitónico”, que nos aparece em Actos 16, 16-18.
Espero assim dar mais espaço aos especialistas e demais estudantes que elegeram Cornélio como sua personagem de referência.
Por agora fica só a indicação… mais tarde apresentarei o estudo que tiver feito sobre esta escrava com a qual Paulo fica enfadado!

Paulo na companhia de Silas

Silas ocupa um lugar importante nos Actos dos Apóstolos. Quem era este personagem já o referi no primeiro post. Pela sua importância, Silas é bem mais um personagem intermediário do que um personagem secundário. Destaco aqui a sua companhia a Paulo na segunda viagem missionária. Paulo escolheu Silas por companheiro de viagem para a missão na consequência de “uma discussão tão violenta” (Act 16, 39) com Barnabé. Assim, a função de Silas enquadra-se nesta viagem missionária de Paulo. Podemos ver isto nas referências onde os dois são mencionados juntos: Paulo e Silas atravessaram a Frigia e o território da Galácia (16, 6); o anúncio da Boa-Nova em Macedónia (16, 10); foram presos em Filipos (16, 19-34) e em Tessalónica algumas pessoas ficaram convencidas das suas pregações e reuniram-se a eles (17, 4) como também em Bereia (17, 11-12). Portanto, Silas foi um daqueles que ajudaram a Paulo na evangelização e no testemunho da Boa Nova de Jesus e da Sua ressurreição, na formação e na consolidação das comunidades cristãs fora de Jerusalém.

Agripa respondeu a Paulo:"Por pouco não me persuades a fazer-me cristão" Act 26, 28

Paulo é levado perante o Rei Agripa II para ser ouvido, estando ainda presentes na sala de audiência várias pessoas notáveis da cidade, e para que Festo, possa ter matéria de acusação para o enviar a Roma.
Parece que Lucas se serve também deste discurso de Paulo ante o Rei Agripa, para dar cumprimento ao que Deus diz a Ananias sobre Paulo aquando da conversão deste, em Act 9, 15: “Vai, pois esse homem é instrumento da minha escolha para levar o meu nome perante os pagãos, os reis e os filhos de Israel.” Como Paulo já tinha levado o nome de Jesus aos filhos de Israel e aos pagãos, faltava levá-lo a “reis”.
É fabuloso este discurso de Paulo perante Agripa, que começa como uma defesa sua, conta pela 3ª vez a sua conversão e termina como um testemunho missionário, que apresenta o Cristianismo como a plenitude das Escrituras.
Paulo dirige-se especialmente ao Rei porque sabe que ele é um judeu informado, que acredita nos Profetas e conhece a crença dos fariseus na ressurreição dos mortos.
Agripa II não parece ter aversão ao cristianismo, como seu pai, Agripa I.
E, como ele próprio diz, quase se converte. Mas mesmo que esteja a ser irónico, pelo menos converte-se a Paulo pois acaba afirmando juntamente com Festo que ele “nada fez que mereça a morte ou os grilhões”. E ainda: que ele poderia ser posto em liberdade, “se não tivesse apelado para César”.
Lucas quer levar Paulo até Roma, pois é essa a vontade de Deus, como ele mostra antes em Actos e para dar cumprimento ao que diz no início do Livro, de que o testemunho de Jesus chegará “até aos confins do mundo”.

25/03/2007

APOLO - BIBLIOTECA - SER PROFETA

Como sabemos que Apolo era um Judeu de religião, um Alexandrino de sangue e um Corintio e Éfeso de vocação. Vivia a maior parte da sua vida em Alexandria. Ora, a Alexandria era uma cidade de famosa biblioteca e de rica literatura. Segundo o testemunho, as literaturas e a grande biblioteca que lá existem são grandes patrimónios importantes de Alexandria. Coloquemos a questão: o que tem a ver com a figura de Apolo?.
Segundo o texto "Occidental" e na sua biografia, Apolo era conhecido como alguém que se apaxionou muito pela literatura. A Sagrada Escritura era uma das leituras de comum e ocupava as instantes da Bíbliotca. Testemunhou-se que o "Caminho" de Apolo foi aberto pelo conteúdo da Sagrada Escritura e, o seu sentido da vida foi iluminada pela Palavra de Deus, mas como Ele ainda não tinha sabido acerca do baptismo no Espírito Santo fazia portanto, com que o seu conhecimento de Jesus não fosse completo.
É desta sua relação com a biblioteca de Alexandria que se pode dizer que a fé e o conhecimento de Apolo acerca de Jesus e a sua vocação de ser profeta em Éfeso e Corintio não era por causa de ter recebido a revelação especial de Deus como Pedro e Paulo, mas sim, pela sua interesse pessoal de conhecer Jesus através da literatura comum e, especilamente pela Sagrada Escritura, para além da pregação dos Apóstolos itinerantes.

O Rei Agripa II

Situando historicamente esta personagem que aparece nos caps. 25 e 26 dos Actos dos Apóstolos, podemos dizer que é filho do Rei Herodes Agripa I, cuja morte é relatada em Act 12,23 e irmão das princesas Berenice e Drusila. Ele viveu entre 27 e 93d. C. e neste tempo a Palestina era governada por um Procurador Romano. Ele tornou-se Rei de um pequeno principado de Cálcis (Líbano) e em 53 de uns territórios do seu tio Filipe, a nordeste do Lago de Tiberádes, e mais tarde ainda de outros centros na Galileia. Mesmo sendo judeu, e conhecendo bem todos os costumes e controvérsias dos judeus, foi colaborador incontestável dos romanos. E por isso, vêmo-lo neste episódio de Actos a visitar o Procurador Romano Pórcio Festo, que tinha acabado de tomar posse.
É nesta altura também que Paulo se encontra preso por múltiplas acusações que lhe haviam feito os judeus em Jerusalém e que agora em Cesareia, às ordens de Festo, que já o tinha ouvido e que lhe havia proposto ser julgado em Jerusalém, o que Paulo recusou e, em consequência, apelou para César, aguardava ser enviado a César.
É interessante perguntar porque é que o narrador lucano faz aparecer esta personagem, que apesar de secundária, está presente em dois capítulos da sua obra?
Uma das respostas poderá ser a vontade de Lucas de criar um paralelo entre Jesus Cristo e Paulo. Assim como Jesus foi apresentado, no seu julgamento, ao Rei Herodes Antipas, Também Paulo, no seu julgamento é levado a ser ouvido perante este Rei judeu, Agripa II, que havia manifestado a Festo a vontade de o ouvir.
E como isto já está grande, deixo para cenas dos próximos capítulos…

Comentário aos Posts

Tenho passado uma parte do fim de semana a ler os posts e a fazer o meu a respeito do personagem secundário. Posso dizer que gostei em geral de todos e que tenho aprendido bastante com este exercício. mas dá trabalho que se farta!

O aleijado ou o Coxo de nascença ou o coxo desde o ventre materno.

Os actos dos seguidores de Jesus dão continuidade aos actos do próprio Jesus. A cura de coxo de nascença nos faz lembrar muitas curas operadas por Jesus. Por exemplos as curas do coxo da piscina de Betzadá (Jo5,3s; Mt9,1-8; Mc2,1-12; Lc5,17-26), do cego de nascença (Jo9,1s; Mt9,27-31; 20,29-34 Mc8,22-26; Lc18,35-43).
Os Apóstolos depois de receber o Espírito Santo vão operar o seu primeiro milagre curando o aleijado colocado à porta Formosa. Não se sabe o nome do coxo aliás o relato não o mencionou. O não mencionar o nome do aleijado faz-nos pensar que o narrador de Lucas quis nos levar para além desta cura, isto é, para o Nome em que se curou este homem. O narrador lucano centra a sua atenção no nome de Jesus. Os Apóstolos João e Pedro pela voz de Pedro vão deixar claro que esta cura foi realizada no Nome do Santo, Justo, o príncipe da Vida. “ Pela fé no seu Nome, este homem que vedes e conheceis, recobrou as forças. Pela fé que dele nos que curou completamente este homem na vossa presença” Act3,16; portanto esta obra só se realizou através da fé que eles têm neste Nome. A cura pôs em destaque a fé dos apóstolos e ao mesmo tempo a consolidou. Ela (a cura) levou os Apóstolos a pregar com vivacidade e firmeza a Palavra fazendo elevar o número dos crentes a cinco mil. Este milagre está carregado de sentido. Em termo de lugar vamos assistir a uma deslocação, dum lugar de não culto para um lugar de culto, do impuro para o puro. Do fora de lugar para o Lugar (Templo) onde se vai louvar Deus. Deste modo, o primeiro milagre de Pedro e João vai se colocar na linha do universalismo do Reino de Deus.

«Estás louca!»

Rode era uma criada que servia na “casa de Maria, mãe de João, de sobrenome Marcos” (12,12). Reconheceu Pedro pela voz. Os fiéis reunidos em oração não só não acreditaram nela como ainda a acusaram de estar louca.

Compreende-se bem o cepticismo: uma pessoa que vai à porta, reconhece o visitante, fica em júbilo com a sua inesperada aparição, mas que em vez de o deixar entrar o mantém do lado de fora – ainda por cima sendo de noite – não pode, na verdade, jogar com o baralho todo. O próprio texto (na tradução da Difusora Bíblica) parece sugerir que a emoção lhe toldou o raciocínio: «Reconheceu a voz de Pedro e, com alegria, em vez de abrir, correu a anunciar..…» (v. 14).

Apesar da descrença generalizada, afirmou sem hesitação que não estava enganada.

A haver loucura era a dos crentes, que rezavam.