24/04/2007

Lucas - Os três relatos da visão de S. Paulo

Tendo escolhido Lucas como personagem a estudar – não é propriamente uma personagem secundária, mas no trabalho anterior identifiquei Lucas como Lúcio, nomeado uma única vez nos Actos – gostaria de analisar um ponto que me causa surpresa: Lucas relata por três vezes a visão de Paulo, em Act 9,4, Act 22,7 e Act 26,14. Ora, sendo Lucas o autor dos três textos, porque razão estes não são idênticos?
Em cada relato, Lucas acrescenta nova informação. Ora, pelo menos a partir de Act 16,10, Lucas é companheiro de Paulo e ouviu certamente da sua boca um só relato. Será um artifício literário para sublinhar a importância?
A descrição mais completa é a última: Act 26,14-18 Caímos todos por terra e eu ouvi uma voz dizer-me em língua hebraica: ‘Saulo, Saulo, porque me persegues? É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão.’ Perguntei: ‘Quem és tu, Senhor?’ E o Senhor respondeu: ‘Eu sou Jesus a quem tu persegues. Ergue-te e firma-te nos pés, pois para isto te apareci: para te constituir servo e testemunha do que acabas de ver e do que ainda te hei-de mostrar. Livrar-te-ei do povo e dos pagãos, aos quais vou enviar-te, para lhes abrires os olhos e fazê-los passar das trevas à luz, e da sujeição de Satanás para Deus. Alcançarão, assim, o perdão dos seus pecados e a parte que lhes cabe na herança, juntamente com os santificados pela fé em mim.‘

Interessante é a frase ‘É duro para ti recalcitrar contra o aguilhão.’ Estas palavras têm a ver com o trabalho rural. Há 50 anos, ainda se lavrava no Alentejo com arados puxados por 2, 4 ou 6 bois. Para “tocar” os bois usava-se uma vara, com argola e bico ou aguilhão de ferro na ponta. Os bois, acatavam a ordem (de virar, por exemplo), outras vezes revoltavam-se ou recalcitravam contra o aguilhão que os picava.
Assim, neste contexto, a frase significa que Paulo era acicatado pela sua consciência: isto é, a sua consciência acusava-o (ainda que sendo judeu) de proceder mal ao prender os cristãos, sendo calada por Paulo. Jesus fala pois da consciência iluminada pelo Bem, que, a meu conhecimento, é bastante ignorada pelos teólogos. Nos cursos de teologia da UCP só ouvi falar de consciência em Sto. Agostinho e como o interdito da sociologia. Creio que Jesus lhe dá aqui o fundamento teológico.

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