03/04/2007

Protagonismo: uma questão dinâmica

Procurámos, de uma visão estatística e estática relativamente à aferição do protagonismo duma personagem no seio da narrativa (de acordo com a clássica noção de que, num combate, um dos polemistas se sobreleva como primaz), passar a outra, dinâmica, pela constatação de que na trama literária como na vital o protagonismo não emerge como uma bandeira que se agita vitoriosamente, mas como propriedade da pessoa (mesmo que tão só nos humores da máscara), pois que todos somos simultaneamente protagonistas (do fôlego que nos cabe) e espectadores.



No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were: any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bells tolls; it tolls for thee.”



John Donne, Meditation XVII

Um tão profuso elenco (de expectantes protagonistas) como aquele que Actos nos apresenta indicia desde logo uma dúplice afirmação: a) cada aparição, por fugaz que seja, no deslizar sucessivo de rostos e vidas, denuncia a força d’Aquela Aparição que a todos convoca para o protagonismo existencial; b) assim, nesse protagonismo (subtil ou despudorado) ecoa iconograficamente Aqueloutro, Maiúsculo.
Feitas estas considerações iniciais, passaremos, finalmente, à (breve) análise de uma personagem de Actos: João, apóstolo (enquanto figura ilustrativa desse estatuto paradoxal de primazia na discrição).

Um comentário:

Maria Antónia Vasconcelos disse...

Desinquietou-me a citação de John Donne (por onde Hemingway também andou). Na Semana Maior recordo o final de “Good Friday, 1613. Riding Westward”:
[…]”and thou look’st towards mee,/O Saviour, as thou hang’st upon the tree;/I turne my back to thee, but to receive/Corrections, till thy mercies bid thee leave./O thinke mee worth thine anger, punish mee,/Burne off my rusts, and my deformity,/Restore thine Image, so much, by thy grace,/That thou may’st know mee, and I’ll turne my face.”