26/03/2007

Extra-catálogo: o poder de outras palavras

Hoje, a caminho de casa, reparei num “outdoor” a promocionar o Júlio César de Shakespeare. E, mesmo cheia de fome, não resisti a fazer o teste: ler os discursos de Bruto e de Marco António aos Romanos nos funerais de César para sentir se ainda hoje me inflamavam ou já não. Para minha alegria, Shakespeare continua enorme e eu, paupercula forma, não perdi a capacidade de deixar-me encantar. Bruto cometeu o erro fatal de dar a palavra a Marco António, tido até aí como um jovem desportista e desprovido de dotes oratórios. Mais: Bruto não só subestimou o poder da palavra como também se revelou fraco conhecedor da natureza humana ao dirigir à multidão um discurso abstracto, racional, como faria a um grupo de filósofos seus pares. A palavra de Marco António, altamente emocional (começa por apresentar ao povo romano o corpo esfaqueado e ensanguentado de César), ganha um ritmo quase hipnótico no uso do refrão “Bruto é um homem honrado”. A multidão vai inverter a sua posição: é a guerra civil. (Quando tiver tempo, vou procurar o filme de Joseph Mankievicz que vi numa longínqua “terça-feira clássica” no cinema Tivoli, para testar também se aquele assombroso Marlon Brando – Marco António ainda é tal.)

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