31/03/2007

O mundo de Prisca e Áquila: Roma, Corinto e Éfeso

A partir do documento Lucas-Actos, empreendimento cultural que reflecte uma esfera social judaica expressando-se em grego, a língua franca do mundo mediterrânico do século I, e a partir do personagem Prisca – Áquila, podemos entrever o contexto social em que se desenrolam os acontecimentos que levam à disseminação e implantação do cristianismo das origens. O itinerário de Prisca e Áquila é representativo da forma como se propaga o cristianismo nascente: 1) pela concentração nas cidades; 2) pela dispersão devido a perseguição, e 3) através das viagens. Com efeito, Áquila, judeu do Ponto, e sua mulher são cristãos de Roma expulsos em 49 sob Cláudio por se manifestarem vigorosos apoiantes da nova seita e provocarem conflitos; fixam-se em Corinto, onde acolhem Paulo, que com eles trabalha e convive durante os dezoito meses de permanência nessa cidade portuária, e acompanham o Apóstolo a Éfeso, onde de novo lhes confere o privilégio de receber hospitalidade durante nova estada prolongada. (É duvidoso que tenham regressado a Roma, e o seu martírio faz parte da lenda.) Os 11 primeiros capítulos de Actos dão um vivo relato da heterogeneidade dos convertidos ao cristianismo, a população típica das cidades cosmopolitas do Mediterrâneo Oriental, que não é constituída nem pela elite nem pelos “proletários” trabalhadores agrícolas, mineiros e pastores, mas pelos artesãos (produtores de tendas, ourives, etc.) e os comerciantes dos seus produtos. No entanto, se bem que mostre respeito pelo trabalho manual, o autor heterodiegético de Lucas - Actos assume a postura social de comunicar com pessoas de estatuto social mais elevado, o que explica a dedicatória nos prólogos, a preocupação de ostentar a cultura de alguns personagens principais, nomeadamente Jesus e Paulo, e também a apresentação de uma atitude favorável das autoridades romanas – políticas, militares e judiciais - em relação aos cristãos individualmente, mas mantendo distância social em relação ao cristianismo. É um equilíbrio instável, uma delicada posição de “estrangeiros” subordinados àqueles que dominam o sistema e de latente conflito com os judeus. Os representantes do sistema político, militar e legal do Império Romano que protegem os cristãos são os mesmos que os aprisionam. Chegado a Roma, Paulo pode receber os seus e todos os que o procuram e anunciar-lhes o Evangelho, mas encontra-se em prisão domiciliária. E, surpreendentemente, é neste clima de insegurança que se vai criar uma rede de comunidades cristãs que desabrochará numa Igreja universal.
(Robbins, Vernon K., “The social location of the implied author of Luke – Acts” in Neyrey, Jerome H., editor, The social world of Luke – Acts, Models for interpretation.)

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