13/04/2007

Sobre o discipulado

1. Evangelho de Lucas: O discipulado inaugurado por Jesus está marcado pela crise. Com efeito, embora inscrito no quadro tradicional do seguimento iniciático, o discipulado jesuânico difere dos demais (seja do da escola farisaica, seja, inclusive, do de João Baptista), tanto no que concerne às refeições (veja-se o debate acerca: da comensalidade com os pecadores – cf. Lc 5,30 –; do jejum – cf. Lc 5,33 –), como até quanto a uma certa concepção da observância do preceito sabático (cf. Lc 6,1). O selo da crise atinge não apenas o domínio externo mas toca sobretudo o íntimo do discípulo, confrontado que está com a permanente confusão ante as palavras desconcertantes de Jesus (cf. Lc 8,9; 9,18ss; 9,54s; 18,15ss). De facto, o discipulado de Jesus progride ao ritmo da incompreensão por que os discípulos são confrontados com o sentido cru do seguimento (despojamento, simplicidade pueril – cf. Lc 6,20; 6,40; 12,22; 14, 26s; 14,33). No entanto, tal opacidade inicial vai sendo digerida na intimidade do encontro com Jesus, já que os discípulos, ao contrário da mó (que se acotovela ruidosamente para ouvi-l’O – cf. Lc 7,11 –), vagueiam na sua companhia, escutam-Lhe o significado das parábolas (cf. Lc 8,9), assistem (e neles participam, em seu nome – cf. Lc 10, 17 –) aos seus gestos surpreendentes (cf. Lc 9,14ss; 9,36), aprendem-Lhe a oração (cf. Lc 11,1). Porém, a crise atinge o ponto apical quando aqueles são confrontados com a questão radical: afinal, quem é Jesus? (cf. Lc 9,18), cuja resposta só o convívio profundo pode descobrir. Em suma, é discípulo de Jesus aquele que, mesmo na convulsão de sentimentos que se sucedem, da bruma da incompreensão ao espanto genuíno, persiste no seu encalço, percorrendo as mesas várias que o apetite do encontro suscita.

2. Actos do Apóstolos: Aqui, são discípulos os que crêem, vivendo tal experiência na comunidade (onde eram chamados a intervir – cf. Act 6,2.7), não obstante as perseguições (cf. Act 9,1) sofridas (simultaneamente dolorosas e fortalecedoras – cf. Act 14,22), ou mesmo os conflitos internos (cf. Act 6,1), no seu esforço de generosidade (cf. Act 9,36) e zelo (cf. Act 14,20; 19,30; 21,4). A sua alegria exalava a confiança na Presença d’Aquele cujo nome iam assumindo (cf. Act 11,26), cristificando-se.

3. Continuidade e descontinuidade no uso do termo: De certo modo, a evolução do termo (quanto ao uso) tem um fundo eminentemente existencial, que corresponde ao percurso desde a interrogação fontal quem é Jesus? (cf. Lc 9,18) à integração da resposta segundo a forma ser como Cristo (cf. Act, 11,26). Assim, se o evangelho traduz insistentemente a preocupação do encontro pessoal com Jesus (na forja do convívio onde as dúvidas são aplacadas pela companhia), o livro dos Actos ilustra já a vida dos que vivem como Cristo.

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