16/03/2007

3 perguntas a... P. Domingos Terra SJ *

1. Qual a passagem do livro dos Actos dos Apóstolos que é mais significativa para si? Porquê?

A passagem dos Actos dos Apóstolos mais significativa para mim é a conversão de Saulo, aquele que viria a ser o apóstolo S. Paulo (Act 9, 1-30). Deus intervém na sua vida dum modo fulminante. Impressionam-se nessa intervenção dois aspectos. O primeiro é que o olhar de Deus não se dirige apenas às pessoas bem comportadas; vai também para aquelas cuja conduta é muito discutível. Deus quer construir algo, mesmo onde uma avaliação estritamente humana pode não suscitar esperança de resultados positivos. Aliás, Saulo, já convertido, não se cansará de dizer nas suas pregações que o Senhor mostrou grande misericórdia para com ele, referindo-se precisamente ao episódio da sua conversão inesperada. O segundo aspecto que impressiona, na passagem bíblica referida, é o facto de Deus mudar radicalmente o rumo da vida de Saulo, ao mesmo tempo que parece deixar intacta a sua estrutura pessoal. De zeloso perseguidor de cristãos, Saulo passa a zeloso anunciador de Jesus Cristo. As vítimas das acções ‘pré-cristãs’ de Saulo nem querem acreditar que ele se tenha convertido! Num primeiro momento, continuam a ter medo dele. Por outro lado, os amigos que ele tinha até então tornam-se seus declarados inimigos. Adivinha-se no íntimo destes a raiva por a estrutura duma pessoa com tantas qualidades ter sofrido um desvio de cento e oitenta graus.


2. Qual lhe parece ser o aspecto em que a Igreja Católica em Portugal mais se aproxima do relato que os Actos dos Apóstolos fazem da primitiva comunidade cristã? E qual o aspecto em que mais se distancia?

Os Actos dos Apóstolos falam duma comunidade cristã movida intensamente pelo Espírito de Deus. É qualquer coisa que fascina o leitor relativamente aos tempos da Igreja primitiva. Esta vida intensa do Espírito nota-se em certos eventos da Igreja Católica em Portugal. Refiram-se as grandes aglomerações humanas no Santuário de Fátima, concretamente as que contaram com a presença de João Paulo II. Refira-se o “Terço vivo” que teve lugar no estádio nacional há cerca de três anos. Refira-se a procissão ocorrida num sábado em Lisboa, no âmbito do Congresso Internacional para a Nova Evangelização. Refira-se a adesão dos jovens a iniciativas pastorais organizadas ao estilo da peregrinação… Este vigor da vida do Espírito já não é tão nítido naquelas situações em que as comunidades cristãs caem na rotina das práticas. É preciso, contudo, ter cuidado ao emitir juízos sobre o ritmo habitual de tais comunidades. O facto de a força do Espírito não ser tão notada pelos olhos dum observador não significa necessariamente que ela esteja menos presente. O Espírito de Deus vive-se não só em ocasiões especiais de maior expressividade, mas também no quotidiano, mais ou menos discreto, vivido na fidelidade.


3. De que modo a Igreja pode hoje anunciar o Evangelho aos não crentes e àqueles que se distanciaram de Cristo?

O maior anúncio que se pode fazer do Evangelho é a vida cristã em simplicidade e com verdade. O que mais se espera de nós não é convencer os outros pela força dos argumentos, com o intuito de os levar à fé cristã. Os outros precisam é de perceber que aquilo que vivemos, em nome do Evangelho, tem razão de ser. Precisam de notar que, sendo feitos do mesmo ‘barro’ que o resto das pessoas, nos esforçamos por viver com verdade aquilo em que acreditamos. É claro que, num mundo complexo e exigente como o nosso, não podemos contentar-nos com uma fé ‘ingénua’. Não devemos ter medo de deixar que as questões do mundo e das pessoas de hoje interpelem a nossa fé. Será o modo de esta se tornar apta a mostrar o que vale perante os nossos contemporâneos. A fé cristã é experiência e discurso, é um viver e um dizer. O primeiro dever ser autêntico e simples; o segundo precisa de estar à altura dos desafios que o mundo actual lhe coloca. Estas duas dimensões da fé estão intimamente ligadas. Todo o cuidado intelectual posto no pensar e no dizer da fé deve estar impregnado da preocupação do viver autêntico da mesma. Deve ser, aliás, expressão duma fé vivida desta forma.

* Professor na Faculdade de Teologia da UCP

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