31/05/2007

Onde se encontra a FÉ?


Nas obras, responde Tiago. Este é o problema tratado em 2,18-19: Mas, dirá alguém «Tu tens a fé e eu tenho as obras». A objecção do interlocutor fictício, que Tiago criou para explicar este problema, é insidiosa e poderá estar na mente de muitos leitores; efectivamente, o interlocutor não nega a fé nem as obras, nem nega a relação entre as duas. Tiago não poderia negar nem a sua própria fé nem as obras de tal interlocutor. O problema, para Tiago, está na divisão de fé e obras e na separação das duas distribuídas por dois sujeitos diferentes.
A fé de Tiago encontra-se precisamente nas “obras”; não acha necessário falar da fé, porque esta se encontra nas obras e são estas que manifestam a fé; quando faltam aquelas, também a fé desaparece rapidamente. Tiago, sarcasticamente, provoca, por isso, o seu interlocutor a mostrar a sua fé sem obras, o que é impossível. Depois, recorre ao paradoxo: sem as obras é mesmo impossível acreditar em Deus, a menos que alguém se contente com uma fé de demónio. Crer em Deus será, pois, admitir tudo o que Ele quer, levando a sua vontade para a vida. Resumindo, é absolutamente necessário que, no mesmo indivíduo, se juntem a fé e as obras, teoria e praxis. A falta do comportamento é só uma ilusão de fé.
Mas Tiago não se contenta com isso. Apresenta Abraão, modelo da fé, com uma fé apresentada em termos de comportamento. Para corrigir falsas interpretações da doutrina de Paulo sobre a fé? Em confronto com o próprio Paulo? (2,20-23), Rom 4 diz que Abraão foi justificado somente pela fé, porque as obras da Lei ainda não existiam. A sua fé está em confiar plenamente em Deus. Tiago põe o problema de maneira diferente: não lhe interessam as obras da Lei antiga como tal. A única Lei que lhe interessa é a lei perfeita da liberdade, e consiste na formulação interior em termos operativos provocados pela Palavra de Deus. Foi isso que aconteceu com Abraão: no seu contacto com Deus, sabe que tudo quanto Deus lhe pede com a sua Palavra deve ser executado, sem hesitações. Deus pode pedir tudo. E isso tudo é concretizado no sacrifício de Isaac. Ao não hesitar na execução da Palavra de Deus, Abraão prova, à evidência, a sua fé de abandono radical a Deus. A fé, este abandono sem reservas à palavra de Deus manifesta-se nas obras. Sem estas, seria apenas um vago sentimento. Este será o único modo de manifestar fé em Deus.
A expressão final da fé morta (2,26), no seu conjunto, exprime a inseparabilidade da fé e das obras, à semelhança da inseparabilidade de corpo e da alma na mesma pessoa. Choca-nos, no entanto, a comparação corpo-fé e alma-obras. Trata-se apenas de uma comparação para provar a dita inseparabilidade, numa concepção unitária do homem: a fé é vista com todo o mecanismo espiritual que leva à realização das obras; mas as obras realizadas não são unicamente um sinal da fé viva e operante, pois permitem a sobrevivência da fé. De outro modo, como víamos anteriormente, a fé retrocede e desaparece. No que se refere à pessoa na sua dimensão corporal, esta tem uma função analógica: indica a vida e faz viver
Deste modo, as obras são sinal de que a nossa fé está viva e impedem que ela morra. Como consequência, a fé é vista como vida operante e consequente. As obras sem fé não teriam sentido. Se existem, é porque existe a fé total, interior e exterior, de palavra e de obras, que revolve toda a pessoa humana, sem outros resíduos heterogéneos. Só esta fé merece o nome de fé, porque coincide com a estrutura íntima da própria pessoa.
Resumindo, a fé inclui necessariamente as obras e estas são inseparáveis da fé. Não se podem dividir e separar, como se fossem “coisas” diferentes. Sem obras, só há a fé do demónio. Fé sem comportamento é fé ilusória. A fé de Abraão é o modelo, porque é sem Lei, por ser anterior à Lei.

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