04/06/2007

O grupo dos doze em Jerusalém (Actos dos apóstolos 1-5)


Os cinco primeiros capítulos dos Actos dos Apóstolos descrevem a vida deste grupo. A reconstituição do colégio dos Doze (Act 1, 15-26) permite a Lucas colocar nos lábios de Pedro uma definição do apostolado: para ser testemunha, não basta ter visto o Cristo ressuscitado, é preciso também ter sido discípulo dele durante a sua vida terrena (Act 1, 21-22). Deste modo, antes de serem uma equipa missionária, os Doze são os detentores do testemunho. Por força das circunstâncias, tais testemunhas serão, ulteriormente, insubstituíveis; por ocasião da morte de Tiago (Act 12, 1-2) a vaga não será preenchida.


No capítulo segundo, a promessa de Jesus (Lc 24-49 e Act 1, 4-5) realiza-se na festa judaica seguinte: o Pentecostes. Para permitir aos seus leitores figurarem o evento, Lucas serve-se de tradições judaicas relativas ao dom da Lei no Sinai (Ex 19-20), e por fidelidade às promessas do Antigo Testamento, centraliza na cidade santa os primórdios da Igreja. Na verdade, tudo se passa em Jerusalém, como Isaías o predissera (Is 2, 1-3).


Como é evidente, os discursos missionários dos Actos dos Apóstolos, a começar pelo de Pedro, por ocasião do Pentecostes, não foram taquigrafados. Sem se considerarem infiéis, os historiadores da antiguidade repunham os discursos de seus heróis. Não se conclui daqui que Lucas fosse livre de atribuir aos apóstolos qualquer espécie de dito ou palavra. Conforme o uso, ele próprio redige, mas não inventa. Historiador, põe nos lábios de Pedro o que considera ter sido a substância do discurso. O sermão de Pentecostes não é, pois, um conjunto de palavras de Pedro, nem uma pregação característica do tempo de Lucas. Consciente da distância histórica, Lucas sabe distinguir as primeiras formulações doutrinais das expressões cristológicas de seu tempo. Lucas sabe também distinguir uma pregação missionária de uma homilia dirigida à comunidade cristã: por exemplo, o sentido da cruz não é revelado a qualquer um. Por este motivo, o valor redentor da morte só aparece no único discurso dos Actos dos Apóstolos dirigido a cristãos (Act 20, 28).


Como o testemunho é, a seus olhos, momento histórico e revelação de um sentido, os discursos cristológicos são marcas da passagem apostólica e portadores da narração lucana. Colocados nos momentos cruciais, permitem ao evangelista articular a história. O Pentecostes, o martírio de Estêvão, a conversão do primeiro pagão, a primeira missão Paulina, o Concílio de Jerusalém e o cativeiro de Paulo vão adquirir uma dimensão teológica pela inserção oportuna de um discurso.


Para voltar aos primórdios da Igreja, podemos observar-lhe o carácter exemplar. O discurso de Pedro (Act 2, 14-36) produz frutos. Algumas conversões se efectuam e uma comunidade começa a ser constituída a partir do núcleo inicial. O famoso sumário (Act 2, 42-47) descreve a quádrupla perseverança no ensino dos apóstolos, a comunhão fraterna (obediência às prescrições do Evangelho que implicam, segundo Lucas, a partilha), a fracção do pão (a Eucaristia) e as orações.


A presença da mensagem cristã e o sucesso da missão (calculada em cinco mil crentes, Act 4, 4) vão dividir os espíritos. Tal como no Evangelho, a hostilidade surge-nos aqui por parte das autoridades judaicas que haviam sido esquecidas desde a ressurreição. Solidária com o seu Senhor, a comunidade, pela sua fidelidade ao Evangelho, suscita a perseguição. Barnabé e Paulo confirmarão o que Jesus previra e vivera: «É preciso passar por muitas tribulações para entrar no Reino de Deus» (Act 14, 22). Missão e apologia alternam-se no livro dos Actos, mantidas aqui pela oração da comunidade (Act 4, 24-30).


Antes de uma segunda captura, Lucas focaliza a comunidade. O bom uso do dinheiro corresponde a uma exigência da fé e não somente de moral. O gesto de Barnabé (Act 4, 36-37) contrasta com o de Ananias e Safira (Act 5, 1-11).


Se a fidelidade conduz ao sofrimento, Deus é também o Deus da libertação. Lucas visualiza esta convicção enraizada no Antigo Testamento: o milagre das correntes que se desfazem por si mesmas e da porta da prisão que se abre automaticamente.


O primeiro tempo dos Actos dos Apóstolos termina numa trégua: o Sinédrio, aconselhado por Gamaliel, contenta-se com a aplicação de umas vergastadas e os apóstolos, alegres por terem sido julgados dignos de sofrer ultrajes pelo Nome do Senhor (Act 5, 41), prosseguem o seu itinerário missionário em público, no Templo, ou particularmente, a domicílio.

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